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A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em 29 de outubro de 2024, editou a Resolução CVM 215, que consolida o Novo Marco Regulatório das Ofertas Públicas de Aquisição de Ações – OPA. A nova regra entrará em vigor, em 1º de julho de 2025, revogando a Resolução CVM 85, que havia substituído, sem alteração de mérito, a Instrução CVM 361. O novo marco regulatório traz flexibilidade e modernização às regras de OPAs, com base na experiência prática adquirida pela Autarquia ao longo de mais de 20 anos e, também, valendo-se dos melhores parâmetros internacionais sobre a matéria.
De maneira simplificada e pontual, esse artigo, aqui, na Revista RI, tem objetivo de demonstrar e transmitir as principais características e inovações introduzidas pela Resolução CVM 215. Antes de avançar sobre tais pontos, faço breve contextualização inicial a respeito das OPAs e a sua relevância no contexto das companhias abertas.
As OPAs são, em geral, ofertas nas quais um proponente (ofertante) manifesta seu compromisso de adquirir de acionistas (ofertados) ações de emissão de uma determinada companhia aberta, tendo por objetivo a aquisição de uma quantidade específica de ações, seguindo preço, prazo, forma de pagamento e outros termos e condições especificados no contexto da oferta.
As OPAs são efetuadas fora do mercado organizado de valores mobiliários e podem assumir diferentes modalidades e feições, a depender dos objetivos pretendidos e das determinações legais ou regulatórias.
As OPAs podem ser classificadas como obrigatórias ou facultativas. As obrigatórias são aquelas cuja obrigatoriedade de realização decorre de uma determinação da Lei 6.404/1976, enquanto as facultativas são aquelas realizadas por prerrogativa do ofertante.
São definidas como OPAs obrigatórias as seguintes modalidades:
A OPA para Cancelamento de Registro deve ser realizada como condição ao cancelamento do registro de companhia aberta, por força do § 4º do art. 4º da Lei 6.404/1976. A legislação brasileira introduziu a obrigação de realização desta OPA, pelo acionista controlador ou pela própria companhia aberta, com o objetivo de assegurar que os investidores em valores mobiliários de tal companhia – respeitados o quórum e demais procedimentos aplicáveis – pudessem aprovar ou rejeitar o fechamento de capital ou, conforme o caso, pudessem alienar os seus respectivos valores mobiliários no contexto da transição de companhia aberta para companhia fechada. A legislação preocupou-se também com os critérios e avaliação para determinação do preço justo da oferta com o viés de proteger as minorias acionárias e titulares de títulos de dívida emitidos pela companhia aberta.
A OPA por Aumento de Participação, por sua vez, está prevista no § 6º do art. 4º da Lei 6.404/1976 e é realizada em consequência de aumento da participação societária do acionista controlador na companhia aberta, que seja capaz de retirar a liquidez das ações de titularidade das minorias acionárias. O objetivo desta OPA é proteger os acionistas minoritários do chamado “fechamento branco de capital”, que ocorre quando o acionista controlador se torna potencialmente o único interessado em adquirir ações detidas por minoritários em contextos de ausência de liquidez.
Por fim, a OPA por Alienação de Controle (também chamada de “OPA de Tag Along”) deve ser realizada como condição de eficácia de negócio jurídico de alienação de controle de companhia aberta, por força do art. 254-A da Lei 6.404/1976. Em conceito e de forma simplificada, tal OPA é aplicável nos casos em que há transferência do bloco de controle para novo acionista controlador, que – em tal hipótese – tem a obrigação de realizar oferta púbica para adquirir as ações pertencentes aos acionistas minoritários por preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle. Novamente, trata-se de OPA incluída na legislação societária como proteção às minorias acionárias.
Por outro lado, são definidas como OPAs Facultativas todas aquelas OPAs voluntárias em que o ofertante realiza a oferta para adquirir ações de companhia aberta a seu exclusivo critério (e não como obrigação legal ou regulatória).
Dentre as OPAs Facultativas, provavelmente a mais conhecida é a OPA para Aquisição de Controle, que está prevista no art. 257 da Lei 6.404/1976 e é utilizada para oferecer a generalidade dos acionistas de uma companhia aberta com dispersão acionária a possibilidade de alienarem as suas ações ao ofertante, que usualmente condiciona a eficácia da oferta à aceitação de acionistas titulares de quantidade de ações capaz de lhe assegurar a tomada do controle da companhia.
Enquadram-se também como facultativa as OPAs Concorrentes, que são aquelas em que há simultaneamente mais de um ofertante realizando uma OPA que tem como alvo a mesma companhia aberta. Ou seja, há uma concorrência entre dois ou mais ofertantes pela aquisição, por meio de OPA, de uma mesma companhia aberta. Com base na regulação aplicável, a OPA Concorrente deve se revestir das mesmas exigências e formalidades aplicáveis à OPA original em relação a qual a OPA Concorrente esteja competindo.
Por fim, registre-se que há uma enorme gama de outras possibilidades de formatações de OPAs Facultativas, que comportam flexibilidade em relação ao escopo em que se destinam, pois são consideradas facultativas as demais ofertas realizadas de forma voluntária visando à aquisição de ações de companhia aberta, efetuadas fora do mercado organizado e que não se enquadre nos regimes obrigatórios específicos.
Além dos procedimentos gerais que abrangem todas as modalidades de OPA, cada uma possui regras específicas, também disciplinadas pela Resolução CVM 215, foco deste artigo.
Resolução CVM 215 e as principais inovações
A nova resolução torna o regime regulatório aplicado às OPAs mais eficiente, reduzindo custos regulatórios sem comprometer a proteção e a transparência aos investidores. Dentre as principais alterações trazidas pela Resolução CVM 215, destacam-se os seguintes tópicos.
Novo critério para a OPA por aumento de participação
Com o intuito de simplificar, atender a demanda do mercado e refletir os precedentes do Colegiado sobre o tema, a Resolução CVM 215 fixou parâmetro objetivo e simplificado para a realização de OPA por aumento de participação.
Como resultado, no novo regime, a OPA passa a ser obrigatória sempre que a aquisição de ações em circulação pelo acionista controlador ou pessoa a ele vinculada leve a uma redução do total de ações em circulação de uma mesma classe e espécie a patamar inferior a 15% (quinze por cento).
Quórum diferenciado na OPA para cancelamento de registro
Em um esforço de (i) simplificar o processo de cancelamento de registro para as companhias abertas que tenham um baixo percentual de ações em circulação; e (ii) alinhar o cancelamento de registro à lógica adotada pela Lei 6.404/1976 para permitir o resgate compulsório de ações (art. 4º, §5º, da Lei 6.404/1976), a Resolução CVM 215 estabelece quórum diferenciado para a OPA para cancelamento de registro quando a quantidade de ações em circulação da companhia objeto for inferior a 5% do capital social. Nestas hipóteses, o novo regime prevê a redução do quórum para realização da OPA para maioria simples em substituição ao quórum tradicional de 2/3 dos titulares das ações elegíveis.
Cômputo do Quórum de Adesão de OPA Anterior
Dentre as inovações trazidas pela Resolução CVM 215, destaca-se a possibilidade de o ofertante computar as adesões à OPA para Aquisição de Controle, para fins da verificação do quórum de 2/3 (dois terços) aplicável na OPA para Cancelamento de Registro, desde que:
Unificação da OPA para Cancelamento de Registro com Outras Modalidades
A nova regra passa a permitir que a OPA para Cancelamento de Registro seja formulada por um terceiro que não seja controlador da companhia alvo, ou pela própria companhia, quando realizada cumulada com OPA para Aquisição de Controle, desde que está última tenha sido concluída com sucesso e promovido o surgimento de um novo acionista controlador.
Por vezes, o ofertante da OPA para Aquisição de Controle, caso a oferta seja bem-sucedida, possui a intenção de realizar o cancelamento de registro da companhia alvo. No regime da Resolução CVM 85, era necessário a realização de uma OPA (aquisição de controle) e, na sequência, a realização de uma nova OPA (cancelamento de registro).
O novo dispositivo visa atender a demanda do mercado e propor uma alternativa mais eficiente para alcançar o mesmo resultado.
Para além disso, a Resolução 215 traz aperfeiçoamentos importantes para os casos de consolidação da OPA para Alienação de Controle com a OPA para Cancelamento de Registro.
Criação de Novos Ritos de Registro de OPA
O novo regime estabelece a criação de dois ritos de registro: ordinário e automático.
O rito ordinário equivale ao procedimento de registro de OPA na Resolução CVM 85, que demanda prévia análise pela CVM. É aplicável as OPAs Obrigatórias e as OPAs Facultativas com permuta por valores mobiliários.
O rito automático, por sua vez, não demanda análise prévia da CVM e será o regime aplicável para o registro na CVM da OPA Facultativa que não envolva permuta por valores mobiliários.
De um lado, o mecanismo do rito automático preserva a agilidade conferida no procedimento da OPA Facultativa sem permuta por valores mobiliários. De outro lado, permite que a CVM receba a informação sobre essa modalidade de oferta, ampliando sua capacidade de acompanhar e mensurar as OPAs, sem criar entraves burocráticos aos participantes.
Estas modificações alinham a sistemática das OPAs no âmbito da Resolução CVM 215 ao regime das ofertas de distribuição de valores mobiliários, cujo arcabouço regulatório foi recentemente revisado nas Resoluções CVM 160 e seguintes.
Intermediário e Garantia de Liquidação da OPA
A Resolução CVM 215 divide as funções atualmente exercidas pelo intermediário, separando sua obrigação de garantir a liquidação da oferta das demais obrigações do participante, a fim de que a função de garantia possa ser atendida por meios alternativos. Desta forma, fomenta-se a possibilidade do surgimento de novos intermediários e, ao mesmo tempo, preserva-se a higidez da garantia de liquidação financeira na OPA.
Dispensa na Contratação de Leilão da OPA
Com base em precedentes do Colegiado da CVM e seguindo critérios considerados relevantes para que o leilão possa ser dispensado, a Resolução CVM 215 inova ao dispor que a efetivação da OPA por meio de leilão está dispensada quando for (i) destinada a menos de 100 (cem) acionistas; e (ii) direcionada a menos de 1000 (mil) acionistas e os custos associados ao leilão excederem 10% (dez por cento) do valor total da OPA.
A nova regra, por outro lado, afasta automaticamente a dispensa de leilão concedida quando haja comunicação por terceiro interessado, irrevogável e irretratável, de interferir no leilão ou o lançamento de uma OPA Concorrente. Nestes casos, estabelece-se o leilão em prol da concorrência e competição entre as ofertas, em favor dos ofertados destinatários.
Hipóteses dispensa do Laudo de Avaliação
Outra importante inovação trazida pela Resolução CVM 215 é a dispensa de laudo de avaliação, permitindo que em determinadas situações o preço da OPA possa ser aferido por métodos alternativos que garantem o valor econômico-financeiro adequado. Como exemplos, dispensa-se o laudo quando o preço das ações objeto da OPA possa ser determinado:(a) com base em negócio jurídico celebrado entre partes não relacionadas há no máximo 12 meses antes da data de requerimento do registro da OPA; e (b) com base na maior cotação atingida pela ação na bolsa de valores nos últimos 12 meses.
A Resolução CVM 215 prevê, ainda, que a dispensa de elaboração de laudo de avaliação não afasta o direito dos acionistas de pleitear a revisão do preço das ações, seguindo o formato previsto na legislação e na regulação.
Eficiência e Segurança Jurídica
Os impactos da Resolução CVM 215 são significativos e promoveram importantes mudanças no ambiente de negócios, notadamente no que se refere às companhias abertas. Como visto, o novo arcabouço regulatório traz importantes modernizações e adequações para tornar o sistema mais simples, funcional, e menos burocrático.
A nova norma proporciona maior segurança jurídica e transparência, fortalecendo a confiança dos investidores e incentivando novos investimentos. Na esteira, a modernização das regras tende a aumentar a atratividade do mercado brasileiro, inclusive, para investidores estrangeiros.
Eficiente, reduzindo custos regulatórios sem comprometer a proteção e a transparência aos investidores, a Resolução CVM 215 representa um marco importante na construção de um Mercado de Capitais mais democrático e dinâmico.
João Pedro Nascimento
é presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
joao.pedro@cvm.gov.br