Diversidade

DIVERSITY WASHING OU COMPROMISSO GENUÍNO?

Neste ano celebramos o marco de 30 anos da Declaração de Pequim, um importante passo na luta pela igualdade de gênero. Ao longo das últimas três décadas, dos 189 países signatários, entre eles o Brasil, os avanços seguem em passos lentos. Embora, ainda se tenha muito para evoluir nessa questão, vivenciamos um ano de muita expectativa em relação as agendas corporativas de ESG e as Políticas de Diversidade serão postas em xeque.

Muitas bandeiras foram erguidas em prol da diversidade e da equidade no ambiente corporativo e chegamos no momento de sustentá-las. O ano que se inicia já demonstra fortes sinais da necessidade de continuidade e efetividade das iniciativas voltadas a paridade de gênero nas esferas pública e privada.

Assim como temos o greenwashing, como tratamos falsas ações de responsabilidade ambiental, o mesmo conceito aplica-se para o diversity washing, que em bom português seria uma lavagem da diversidade, mascarar uma realidade lançando mão de inverdades para descrever uma imagem positiva, porém irreal em torno da diversidade dentro de uma organização. Ou seja, uma empresa pode criar campanhas publicitárias que destacam a diversidade, mas não ter políticas efetivas para promover a inclusão de grupos minoritários em seu ambiente de trabalho.

Recentemente o presidente de uma grande big tech concedeu uma entrevista em que afirmava que “falta energia masculina nas empresas”. Será mesmo? Essa entrevista veio coroar uma outra movimentação que virou as discussões sobre Diversidade e Inclusão de cabeça para baixo, principalmente no ambiente corporativo.

Há décadas movimentos como a campanha global 30% Club Brazil, buscam aumentar a diversidade em um sentido amplo, incluindo considerações sobre etnia, deficiência, orientação sexual, dentre outros aspectos. A entidade atua para mostrar a urgência, e benefícios, de quadros de funcionários mais mistos nas empresas. E aqui, vou ater-me especificamente à necessidade de mulheres em cargos de alta gestão.

A presença feminina é imprescindível aos negócios. Dados e estudos de mercado comprovam o prejuízo em relação a evasão das mulheres nas companhias, bem como os benefícios e ganhos financeiros, quando se tem mulheres dividindo espaço com homens em posições de liderança. São perspectivas e vivências complementares que juntas representam muitas oportunidades.

Os números não mentem
Mais acima, quando comentei sobre a hora de colocar à prova os belos discursos corporativos sobre diversidade e inclusão, referia-me justamente a esse momento quando o mundo parece ter se cansado de bater nessa tecla e está disposto a voltar várias casas. Foi bom enquanto durou, não precisamos mais disso.

Logo é importante pensarmos em um contexto mais amplo. A paridade de gênero em cargos de alta gestão nas empresas faz parte de uma luta muito mais complexa. Em 2024, os ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e das Mulheres apresentaram o 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios. O apanhado de 49.587 empresas com 100 ou mais empregados, a maioria delas (73%) com 10 anos ou mais de existência somam 17,7 milhões de empregados. Mulheres recebem 19,4% a menos que os homens e essa diferença é ainda maior quando a análise vai para cargos de gerência para cima, chegando a 25,2%.

Outro dado interessante é que só 32,6% das empresas têm políticas de incentivo à contratação de mulheres e apenas 38,3% declararam que adotam políticas para promoção de mulheres a cargos de direção e gerência. Muito do que é pensado como política corporativa de paridade de gênero considera os efeitos e não ataca a causa. Por exemplo, seria simples resolver a questão da não presença de mulheres em alta liderança, bastaria promovê-las, certo? Errado.

É pouco efetivo dar oportunidades que não consideram a realidade da mulher. Não se pode comparar, por exemplo, o tempo que um homem vai se dedicar ao trabalho em termos de horas extras com o tempo dedicado por muitas mulheres, cujas vidas contam ainda com possivelmente mais um round de trabalho invisível depois da empresa. Ainda segundo a pesquisa, as empresas consideram que quem trabalha melhor, e, portanto, mais preparado para assumir cargos mais altos, são aquelas pessoas que fazem horas extras e têm muita disponibilidade para o trabalho.

Ou seja, dois critérios mais comumente atingidos por homens que por mulheres que em geral também dedicam muito tempo aos cuidados com os filhos, família e pessoas dependentes, além de se ausentarem para licença-maternidade. Questões complexas não são impossíveis, no entanto requerem um pouco mais de comprometimento e boa vontade.

A hora de sedimentar as intenções é agora
Muitas marcas fortaleceram sua reputação calcadas em bons programas de diversidade e inclusão. Prêmios para reconhecer essas iniciativas foram criados por instituições e a própria imprensa. Na mídia, os cadernos de Empresas & Negócios até o ano passado sempre estiveram recheados de páginas que descreviam em detalhes importantes números e avanços trazidos por esses programas, destacado o sucesso de empresas de diversos tamanhos na jornada pela paridade de gênero no ambiente corporativo.

Agora chegou a hora de as empresas mostrarem seus compromissos. O universo corporativo só tem a ganhar com políticas de paridade de gênero bem fundamentadas e executadas. Ainda há tanto a se fazer! Poderíamos evoluir tanto em direção à ambientes mais equânimes e justos, e consequentemente, a novas maneiras de pensar negócios. No entanto, este ano em especial parece ser um verdadeiro divisor de águas nas empresas. Torçamos para que a linha que separa o avanço do retrocesso, penda para o lado do progresso.


Leila Ferraz
é membro do Conselho Consultivo do 30% Club Brazil.
30percentclubbrazil@30percentclubbrazil.org


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