Educação Financeira

AMBIÇÃO: O QUANTO BASTA?

Eu tenho um grande amigo, José Morais, psicólogo que fugiu da ditadura portuguesa de Salazar e se radicou na Bélgica, onde construiu uma profícua carreira acadêmica na Universidade Livre de Bruxelas, instituição em que estive por um ano em um programa de pós-doutorado. José tinha um velho caderno de receitas portuguesas, herdado de sua mãe, e, em uma conversa que tivemos, ria muito das instruções que, em vez de trazerem medidas exatas, apresentavam quase sempre a expressão “o quanto basta”. Coloque farinha “o quanto basta”, acrescente ovos “o quanto basta” e assim por diante.

Aquele caderno de receitas logo nos levou a refletir sobre limites. Como eu estava na universidade estudando as percepções subliminares do dinheiro, passamos a discutir os limites na busca por recursos — ou seja, o quanto de dinheiro basta —, o que nos remeteu ao belo conto De quanta terra precisa um homem?, de Liev Tolstói, autor que ambos admiramos.

O conto se inicia com a visita de uma irmã, casada com um comerciante e moradora da cidade, à outra, que vive no campo e é casada com Pahóm, um modesto camponês. A cunhada de Pahóm, que vive na cidade, critica a vida de escassez do campo. A esposa de Pahóm defende o cotidiano rural, garantindo que a simplicidade da terra traz paz e estabilidade.

Pahóm, que tentava dormir no sótão e estava irritado com as críticas da cunhada, afirma que, se tivesse terra o suficiente, não precisaria temer nada — nem mesmo o Diabo. O que ele não imagina é que, naquela noite, o Diabo, que, de acordo com a lenda russa, costumava escolher uma casa para dormir em cima do fogão, havia escolhido justamente a dele. Ao ouvir as palavras de Pahóm, o Diabo decide pôr à prova aquela ousadia.

A partir daí, a ambição de Pahóm cresce de forma desmedida. Ele começa comprando pequenas glebas, mas a satisfação nunca dura muito tempo. Sempre crê que mais terra será a chave para resolver seus problemas e garantir uma vida melhor e mais feliz. Cego pela ganância, Pahóm segue adiante na busca de terrenos cada vez maiores, sem se dar conta de que o verdadeiro inimigo está em sua própria cobiça — alimentada, desde o início, pelo Diabo que o ouvira lá no fogão.

Certo dia, um homem, provavelmente o próprio Diabo, conta a Pahóm que o povo Bashkir tem terras excelentes à venda. Ao chegar lá, ele é informado de que poderá possuir toda a terra que conseguir percorrer a pé em um único dia, desde que retorne ao ponto de partida antes do pôr do sol; caso contrário, perderá tudo. Pahóm se lança numa corrida frenética, planejando demarcar o máximo possível de chão. Quando o sol se põe, ele ainda está ao pé de uma colina e percebe que perdeu tudo, mas, lá no alto, os Bashkirs o incentivam a continuar, pois o sol ainda brilhava no topo. Ele se esforça ao limite e chega ao cume antes do por do sol, porém, exausto, cai morto. Os camponeses o enterram num pequeno pedaço de terra, simbolizando a lição final: o homem, em última instância, só precisa de sete palmos de terra. Tolstói, assim, questiona os limites da ambição humana e a busca incessante por posses cada vez maiores.

No começo de janeiro de 2024, li uma matéria sobre a triste história do senhor João Pimenta da Silva, de 71 anos, que sonhou haver muito ouro enterrado embaixo de sua casa, na cidade de Ipatinga, no Vale do Rio Doce.

Depois desse sonho, seu João empenhou todos os seus recursos humanos e materiais para cavar um imenso poço na área de serviço de sua casa. Com a ajuda de um vizinho, escavou um buraco de 90 centímetros de diâmetro por 40 metros de profundidade. Infelizmente, ele só encontrou água no fundo e, ao tentar removê-la, desequilibrou-se e caiu em seu próprio poço, onde, assim como Pahóm, perdeu a vida. A semelhança entre a história real de João Pimenta e a ficção de Tolstói é evidente. Ambos os casos ilustram até onde a obsessão por riquezas pode levar uma pessoa.

Porém, existe uma diferença entre Pahóm e seu João. Na visão arraigada nos valores cristãos tradicionais, defendidos por Tolstói, a cobiça desmedida do fazendeiro era tratada como um vício moral que conduzia à ruína, pois se acreditava que o homem precisava de pouco para viver bem e que a busca incessante pela posse material poderia ser fatal e espiritualmente empobrecedora.

Já no mundo contemporâneo, existe um culto à ambição. O “não desistir nunca”, o “sonhar grande” e o “trabalhar duro” são frequentemente exaltados como virtudes em si mesmas. O que antes era visto como um defeito moral ou até um caminho para a perdição, hoje pode ser entendido como virtude, desde que se alcance sucesso financeiro ou status.

Nesse cenário, seu João, que corre atrás de um objetivo e luta sem trégua por seu sonho, é uma espécie de homem do seu tempo. Pois, como não cansa de repetir o multibilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann: “Sonhe alto, trabalhe duro e conquiste o impossível.” Então, por que não perseguir o sonho grande de ficar rico com o ouro que pode estar embaixo dos seus pés? Afinal, sonhar grande dá o mesmo trabalho que sonhar pequeno. O problema é que, quanto maior o sonho, maiores as chances de fracasso.

O valor da ambição, do sonhar grande e do incentivo pela busca do sucesso é uma mola motriz do enorme crescimento econômico que o mundo viveu nos últimos 200 anos, e provavelmente continuará a nos impulsionar para um desenvolvimento até difícil de imaginar.

Então, de forma alguma, quero tecer críticas aos indivíduos que lutam e que acreditam que dinheiro, poder e sucesso nunca são o suficiente. Devemos muito a esses obstinados, que entregam sua vida a correr atrás de seus grandes sonhos, pois certamente não são os acomodados que transformam o mundo. Se Pahóm não fosse ambicioso, provavelmente teria passado todos os dias de sua vida preso à sua velha cabana e teria condenado sua família a uma vida cheia de restrições que sua cunhada apontava.

O limiar entre a ambição construtiva e a obsessão destrutiva é muito tênue. A reflexão não é sobre renunciar a grandes sonhos, mas entender até onde vale a pena ir. Quando o ato de arriscar deixa de ser ousadia e passa a ser temeridade, como no caso do seu João? Em que ponto o desejo de superar limites cede lugar a um vazio sem fim? A linha de chegada pode recuar indefinidamente, e cabe a cada um de nós decidir até onde queremos — ou podemos — ir.

Afinal, a escolha de quanta ambição você quer colocar em sua vida deve ser pessoal, não uma imposição social. Portanto, adicione ambição à sua vida ao seu gosto ou, como nos cadernos do meu amigo, “o quanto baste”...


Jurandir Sell Macedo, CFP
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e diretor da Alento Educação Financeira.
jurasell@gmail.com


Continua...