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REMUNERAÇÃO VARIÁVEL PARA CONSELHEIROS DE ADMINISTRAÇÃO: NADANDO CONTRA A MARÉ...

No 16o Encontro Nacional de Relações com Investidores e Mercado de Capitais, promovido pelo IBRI e ABRASCA, o tema central abordado foi o uso da inteligência a serviço do crescimento das empresas e na criação de valor.

Um tópico chamou a atenção dos ativistas presentes no recente Encontro Previ de Governança Corporativa, realizado no Rio de Janeiro nos dias 15 e 16 de setembro: o elevado número de empresas que estão adotando a remuneração variável para Conselheiros de Administração. O número chega a 37% das empresas dos níveis 1 e 2 de listagem, segundo pesquisa da KPMG (A Governança Corporativa e o Mercado de Capitais Brasileiro - 2012/2013).

Além da preocupação com o esse aumento, outro ponto alarmante é a falta de transparência de algumas empresas listadas sobre a remuneração de Administradores.

Tal lapso de informação ainda é amparado por uma liminar utilizada de forma espontânea por algumas grandes empresas para afrontar de forma indireta e covarde a CVM, não restando comentário a não ser a lamentar e denunciar a atitude dessas empresas.

O ponto de vista exposto a seguir, bate de frente, vai na contra mão da aparente tendência do uso da remuneração variável para conselheiros de administração. 

Afinal, quem são esses conselheiros? Segundo a mesma pesquisa, nada menos que 87% das empresas pesquisas dos níveis 1 e 2 têm controle definido. Ou seja, são conselheiros que em sua grande maioria foram eleitos pelo grupo controlador; e sendo muitas vezes os próprios acionistas controladores (pessoas físicas).

E aí vem a pergunta que não quer calar: será necessário criar um incentivo para conselheiros eleitos pelo grupo de controle? Podemos concluir que a remuneração interessa ao mesmo grupo que define os destinos dessas empresas, incluindo a política de dividendos. Alguma dúvida sobre o conflito de interesses?

Mas esse método de remuneração, originalmente empregado para atrair e reter bons executivos, carrega algumas perigosas armadilhas: (i) a remuneração variável traria um alinhamento perigoso entre conselheiros e executivos, mesmo que o pagamento seja diferido no tempo, pois normalmente os executivos também recebem uma parcela de incentivo de longo prazo e (ii) sendo o conselheiro um administrador que toma decisões de olho no longo prazo, mas que tem um mandato definido, como avaliar a efetividade de suas decisões estratégicas no tempo? Todos sabem que, no nosso pífio mercado, o preço de uma ação não é um bom referencial.

Vamos dar asas à imaginação para exemplificar: uma multinacional brasileira, do setor de alimentos, toma a decisão de construir uma 1ª fábrica no exterior, na conturbada região do Oriente Médio (situação não tão imaginária assim). Quanto tempo levará para se edificar a fábrica? Os conselheiros que tomaram a decisão ainda estarão na Cia. quando isso acontecer? Mesmo que estejam, quanto tempo levará para avaliar que a decisão foi acertada? Mais 2 anos após a conclusão da obra? E se ocorrerem problemas na implantação do projeto, o conselheiro fará jus à remuneração variável? Os conselheiros sempre poderão alegar que foi a melhor decisão do mundo, mas a incompetência dos executivos fez o projeto fracassar....

E os executivos? Poderão se defender, acusando o conselho de ter perdido o timing de deliberação? E aí, quem vai arbitrar? Uma assembleia de acionistas, que somente delibera sobre verba global, sem dar sequer palpites sobre a distribuição entre os interessados? Assembleia esta onde votarão acionistas controladores, os mesmos que elegem os conselheiros beneficiados pela remuneração variável? Que belo nó, hein.

E nas empresas de controle difuso, perguntarão os ativistas favoráveis à remuneração variável?

Defendo uma remuneração justa, capaz de atrair bons profissionais, mas que não seja excessiva, a ponto de comprometer a independência “intelectual” desses conselheiros. Afinal, conselheiro que recebe R$ 4 milhões de remuneração por ano, como é o caso de um importante economista em uma igualmente importante instituição financeira paulista, jamais vai criar problemas, questionar executivos, ou seja, ficar mal visto a ponto de não ser reconduzido no cargo. Prevalecerá o instinto de sobrevivência, sendo a escolha sempre influenciada pelo network, como em uma bela reunião de amigos competentes no Jóquei Clube.

 

Renato Chaves é sócio da consultoria Mesa Corporate Governance e autor do Blog da Governança www.blogdagovernanca.com - publicação semanal “on-line” que busca incrementar o debate entre os ativistas da governança corporativa.
renatopchaves@yahoo.com.br


Continua...