No final da década de 1990, a Lei nº. 9.532 criou um tratamento tributário específico para o ágio e deságio na aquisição de investimentos em sociedades controladas e coligadas, quando, após a compra, ocorria uma fusão, cisão ou incorporação entre adquirente e adquirida.
O ágio, em particular, correspondia à diferença positiva entre o preço de aquisição e o valor de patrimônio líquido proporcional do investimento adquirido. O referido ágio precisava ser justificado, para fins fiscais, como: Tipo A – valor de mercado de ativos tangíveis; Tipo B – perspectiva de rentabilidade futura da sociedade adquirida; e/ou Tipo C – fundo de comércio, ativos intangíveis e outras razões econômicas.
Após a fusão, cisão ou incorporação entre adquirente e adquirida, o ágio Tipo A era agregado ao custo de aquisição dos ativos, compondo a base de amortização, depreciação ou exaustão, ao passo que o ágio Tipo B podia ser amortizado pelo prazo mínimo de cinco anos, sendo as despesas de amortização dedutíveis na apuração da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Por fim, o ágio Tipo C não era amortizado fiscalmente.
Em 2014, foi publicada a Lei no 12.973, que disciplina os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos no Brasil pelas Leis no 11.638/08 e 11.941/09, com o objetivo de aproximar os padrões contábeis brasileiros dos padrões internacionais (International Financial Reporting Standards –IFRS).
O novo regime fiscal da Lei no 12.973/14 – aplicável para aquisições a serem feitas a partir de 1o de janeiro de 2015 – determina que o preço de aquisição deve, necessariamente, ser alocado na seguinte ordem: valor de patrimônio líquido proporcional; diferenças entre o valor justo e o valor contábil de ativos ou passivos (mais-valia ou menos-valia); e a parcela residual, para ágio por rentabilidade futura (goodwill) ou ganho por compra vantajosa, se representar um valor positivo ou negativo, respectivamente.
Em caso de fusão, cisão ou incorporação entre adquirente e adquirida, foi mantido um tratamento tributário semelhante ao anterior. Assim como o antigo ágio Tipo A, a mais- ou menos-valia agrega ao custo de aquisição dos ativos ou passivos, compondo a base de amortização, depreciação e exaustão, com uma novidade importante: no novo regime, este tratamento é aplicado, inclusive, para ativos intangíveis. Já o ágio por rentabilidade futura e o ganho por compra vantajosa são passíveis de amortização pelo prazo mínimo e máximo, respectivamente, de cinco anos, como ocorria com o antigo ágio Tipo B. Por fim, não existe mais um saldo que, por definição, não é amortizado, como ocorria com o ágio Tipo C.
A nova ordem de alocação do preço de compra – que não existia no regime fiscal anterior – segue, em linhas gerais, o chamado “método de aquisição”, previsto nas normas contábeis, especialmente no Pronunciamento Técnico CPC 15 – Combinação de Negócios (CPC 15) e na Interpretação Técnica CPC 09 (ICPC 09).
Embora haja uma aproximação entre os dois regimes – contábil e fiscal –, ainda há divergências relevantes entre ambos que podem gerar dúvidas e potenciais discussões em inúmeros casos práticos.
Para citar apenas um exemplo, imaginemos uma incorporação de ações, na qual as ações da companhia A são vertidas ao capital da companhia B, e esta, por seu turno, emite novas ações aos antigos acionistas da companhia A. Vamos supor que, para fins do aumento de capital da incorporadora (B), as ações incorporadas (A) são avaliadas pelo valor de patrimônio líquido contábil.
Para fins contábeis, independentemente do valor constante dos documentos da operação, o CPC 15 requer que sejam avaliadas a valor justo as ações emitidas por B (que correspondem, em sentido amplo, ao “preço de aquisição”). Este montante é, então, comparado com o patrimônio líquido contábil da sociedade adquirida, podendo ser registrada, contabilmente, mais ou menos-valia e/ou ágio por rentabilidade futura ou ganho por compra vantajosa.
Por outro lado, para fins fiscais, o preço de aquisição é igual ao valor de compra constante dos documentos da operação, correspondendo, em uma incorporação de ações, ao valor do aumento de capital da incorporadora. Como tal valor, no exemplo acima, corresponde ao patrimônio líquido contábil, não haveria qualquer diferença positiva ou negativa que pudesse ensejar, para fins fiscais, o registro de mais- ou menos-valia e de ágio por rentabilidade futura ou ganho por compra vantajosa.
Portanto, neste exemplo hipotético, pode haver ágio para fins contábeis, mas não para fins fiscais.
A conclusão é que não há uma equiparação genérica entre o regime contábil da combinação de negócios e o novo regime tributário do ágio. Há incontáveis situações em que o regime fiscal deve seguir regras distintas da contabilidade, em benefício ou prejuízo do contribuinte. Em cada situação prática, deve ser analisado o direito/dever do contribuinte de desdobrar o custo de aquisição do investimento segundo as regras acima mencionadas, bem como a forma de controle das diferenças entre o regime fiscal e um regime contábil diverso.
DANIEL ABRAHAM LORIA é advogado associado do BM&A - Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados.
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