Nos Estados Unidos, já se tornou comum os empreendedores abrirem o capital de suas empresas com uma estrutura acionária criada para mantê-los no controle. Exemplos não faltam: Ford, News Corp. (dona do The Wall Street Journal), Google, Groupon Facebook... Até mesmo a companhia chinesa de comércio eletrônico Alibaba Group resolveu aderir e recentemente abriu capital em Nova York em vez de seu mercado local ou outra bolsa internacional.
Fontes dizem que tal escolha é devida, em parte, porque o mercado americano é mais leniente em alguns aspectos. A Bolsa de Nova York (NYSE) e a Nasdaq permitem que investidores que detêm coletivamente menos da metade das ações de uma empresa exerçam controle sobre ela através de estruturas de capital com duas classes de ações.
Carla Passos, advogada do escritório Shearman & Sterling, explica que nos EUA a lei societária é estadual e em estados como Nova York e Delaware a lei não impõe o paradigma de “uma ação, um voto.” “Cabe a cada companhia definir livremente os direitos de voto e dividendo dos diferentes tipos de ações sob a premissa que o mercado vai precificar tais direitos adequadamente se a companhia decidir fazer uma emissão pública desses títulos”, afirma.
Por aqui, a companhia aérea Azul causou agitação durante os últimos meses de 2013 ao tentar abrir capital na bolsa brasileira e emitir ações preferenciais (PN) com 75 vezes mais vantagens econômicas do que as ordinárias (ON). A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que inicialmente havia cancelado o pedido da aérea de registro de companhia aberta, após recurso, deu sinal verde para a ação especial da empresa. A companhia acabou desistindo do IPO, mas deixou o caminho aberto para outras empresas que queiram lançar superpreferenciais. Outras empresas como BTG Pactual, Alupar e Via Varejo vieram a mercado emitindo ações ON e PN agrupadas na forma de units. Já a oferta da Votorantim Cimentos, cancelada em agosto do ano passado, também previa usar a mesma estrutura. Cada vez mais ganhando apelo, tudo indica que as preferenciais estão reconquistando companhias e investidores.
Para Tatiana Albanez, professora do departamento de Contabilidade e Atuária da USP, o momento é de repensar sobre as vantagens oferecidas por estes papéis (PN), não apenas em termos de remuneração ao investidor, mas também em termos de flexibilidade para novas estruturas de capital para as empresas. “Em alguns casos, a preferência pelas empresas pertencentes ao Novo Mercado, que só emitem ações ordinárias com direito a voto (ON), pode ser superada pelas vantagens oferecidas aos detentores de ações preferenciais, cabendo ao investidor avaliar o nível de transparência da companhia e se seus direitos estão assegurados”, diz.
Para as empresas, essas vantagens podem justificar a abertura de capital não apenas no Novo Mercado, onde ocorre a maioria das IPOs, mas nos demais segmentos, desde que sejam mais vantajosos para a companhia e que ela se comprometa com os diversos mecanismos de governança. “O Novo Mercado surgiu para ampliar os direitos dos acionistas, no entanto, algumas emissões fora deste segmento (como a de superpreferenciais) poderiam surgir para atender empresas e setores que são limitados de alguma forma, por exemplo, por seus agentes reguladores”, explica.
Ainda que pese a atual tendência verificada no mercado de capitais brasileiro de enxergar a proibição das ações preferenciais como sinônimo de boa prática de governança corporativa, não se deve perder de vista as muitas utilidades proporcionadas pelas ações preferenciais, quando correta e criativamente empregadas. Por esse motivo, Francisco Müssnich, sócio do BM&A – Barbosa, Müssnich & Aragão, acredita que, ao contrário de extinguir as ações preferenciais, portanto, talvez valesse a pena para as companhias resgatar suas vantagens e principalmente sua flexibilidade como instrumento de investimentos e solução de estruturas de capital complexas. “Resta saber se as recentes empreitadas com a superpreferencial na bolsa serão bem-sucedidas, ao estimular uma eventual guinada nos rumos do Novo Mercado”, conclui.
Votos extras para acionistas comprometidos
Outra questão que volta à tona neste momento é a proposta da Comissão Europeia de ampliar os direitos de voto das ações em posse de investidores de longo prazo, com o intuito de recompensá-los por sua lealdade à companhia. Em países europeus, como a França, essa é uma forma de recompensar quem mantém as ações por mais tempo - na maioria dos casos, acima de dois anos.
Tatiana Albanez, da USP, acredita que esse não é o caminho mais adequado e que é preciso pensar nas consequências desta proposta para o mercado de capitais, principalmente no que tange a liquidez deste mercado. “Ao mesmo tempo, não vejo por que devemos ‘penalizar’, de forma indireta, o investidor que queira vender suas ações para realizar um ganho”, afirma. Sobre se vale a pena pensarmos nisso no Brasil, Tatiana avalia que, pensando na cultura do nosso mercado (de investimento de curto prazo) e no seu nível de desenvolvimento, essa medida não seria benéfica neste momento.
Jean Arakawa, sócio do escritório Mattos Filho, também não vê necessidade de alteração no curto ou médio prazo. “Esse debate sobre mais ou menos direitos políticos sempre vai existir, e funciona de forma ‘pendular’. A discussão proposta pela Comissão Europeia é interessante e merece ser acompanhada”.
Acionistas pedem fim das duas classes de ações
Na temporada de assembleias realizadas este ano nos EUA vários investidores se mostraram insatisfeitos com a prática. Acionistas do Google, da operadora de TV a cabo Cablevision e da transportadora de carga Swift Transportation formularam propostas para acabar com a existência de duas classes de ações.
No caso do Google, o pedido pela igualdade de diretos de voto obteve 22% de apoio, mas a companhia parece não se preocupar. Em abril deste ano, a empresa emitiu um terceiro tipo de papel, sem direito a voto, abrindo caminho para aquisições que não diluam o controle dos fundadores.