Há dois erros financeiros possíveis na vida:
Poupar muito e morrer cedo; ou
Poupar pouco e demorar para morrer.
Normalmente quando se pensa em uma pessoa com problemas financeiros, imagina-se alguém com dívidas e gastos excessivos. Porém, muitas pessoas têm o problema inverso: não conseguem gastar aquilo que têm.
A maioria das pessoas precisa trabalhar duro para conseguir honrar os compromissos no final do mês. Para elas pode até parecer piada que alguém tenha mais do que precisa e não consiga gastar a sobra. Mas, na realidade, trata-se de uma dificuldade real e bastante grave.
O problema atinge pessoas dos mais variados perfis, desde aquelas que já acumularam muito dinheiro para poder relaxar e aproveitar a vida até jovens em início de carreira. A seguir descrevo de forma resumida alguns casos que acompanhei quando atuava como planejador financeiro e que revisitei para este artigo.
A jovem executiva
Uma jovem executiva de um banco me confidenciou sua extrema propensão a economizar dinheiro. Segundo ela, o comportamento prejudicava a carreira e os relacionamentos profissionais e afetivos.
Ela se vestia de forma inadequada porque não considerava razoável pagar o que suas colegas pagavam pelas roupas que usavam. Também não aceitava os convites para sair com os colegas de trabalho porque não conseguia ficar tranquila vendo o consumo da mesa sabendo que no final teria que dividir com os colegas gastos que ela considerava abusivos.
A jovem morou no apartamento do tempo de universidade muito tempo depois de formada, alternando apenas as colegas que dividiam as despesas. Quando decidiu morar sozinha comprou à vista um apartamento muito mais simples do que o poderia, considerando seu salário e a poupança acumulada à época.
A avareza já havia causado o rompimento de relacionamentos afetivos. Jovem, bonita e bem sucedida, ela relatava certa facilidade em iniciar relacionamentos. Mas ao que ela tentava impor o comportamento financeiro, os namorados se afastavam.
A economia da executiva ainda hoje chega a quase 50% da renda, percentual que se reduz diante dos mais de 80% do começo da carreira. Seus sonhos estão ligados prioritariamente a conquistas profissionais almejadas. Ela diz que para se sentir segura precisa ter uma poupança elevada e, como é bastante avessa ao risco, seu patrimônio financeiro está investido em caderneta de poupança.
O ex-perdulário
Caso semelhante é o de um homem que nasceu em família rica e recebeu, ainda muito jovem, herança razoável. Com ela, montou uma empresa de distribuição de produtos alimentícios resfriados. Ganhou muito dinheiro, mas gastava ainda mais. Em poucos anos levou o negócio à falência.
Sobraram as dívidas, a vergonha e um casamento falido. Depois de um período de desânimo e depressão, ele voltou ao trabalho com afinco redobrado. Agora não mais como dono de empresa, mas como vendedor autônomo.
Pela primeira vez na vida andava de ônibus e mandava arrumar as solas dos sapatos velhos. Pagou as dívidas e voltou a casar. Passados mais de 20 anos, ele é novamente um homem rico e dono da própria empresa.
Mas o empresário se recusa a gastar aquilo que ganha e vive como se fosse um homem pobre. Este comportamento levou ao fim do segundo casamento, pois a ex-esposa que muito lutou ao lado dele acreditava que havia chegado a hora de aproveitar os frutos de tanto esforço. Agora ele enfrenta complicado processo de separação pois não aceita uma divisão justa dos bens do casal.
Meu nome é trabalho
O terceiro exemplo é de um casal que começou a morar junto quando ambos tinham 16 anos. O começo da vida a dois foi uma aventura cheia de privações e intenso trabalho. Depois de anos de trabalho assalariado, conseguiram montar um pequeno armazém que se transformou em uma rede de supermercados.
A vida deles foi marcada por trabalho e dedicação aos três filhos: duas médicas e um publicitário. Mesmo tendo muito orgulho deles, os pais se ressentem do fato de que nenhum demonstrou inclinação para continuar os negócios da família. A falta de sucessor motivou a venda da empresa para uma grande rede.
Com muito dinheiro líquido, o casal foi encaminhado para sofisticados private bankers que falavam uma linguagem que eles não entendiam e adotavam comportamentos que deixavam a ambos muito desconfortáveis.
Na comemoração de bodas de ouro do casal, por insistência dos filhos, toda a família foi para a Europa. Lá ficaram evidentes os contrastes entre o estilo de vida simples que o casal cultiva e a sofisticação da vida levada pelos filhos e genros.
Mesmo diante de severa oposição dos filhos, abriram nova empresa. O casal simplesmente não suportou a ideia de seguir os conselhos dos parentes e dos assessores financeiros e viver gastando o dinheiro que possuía. Infelizmente a nova empresa não foi bem e teve que ser fechada levando na esteira uma parte considerável do patrimônio acumulado. O que restou ainda é elevado, principalmente diante do espartano padrão de consumo que levam. Porém, mais que a perda patrimonial, o que mais marcou foi a deterioração do relacionamento com os filhos e o pesado sentimento de fracasso que agora os acompanha.
Tratamento para o bolso
Tio Patinhas, o personagem mais avarento da Disney, ficou registrado no imaginário das crianças por nadar nas moedinhas de ouro que acumulava em seu grande cofre. Mas a síndrome do Tio Patinhas se refere ao comportamento severo que ele assumia em relação às economias: mesmo nadando em dinheiro, não gastava um tostão para aproveitar a vida nem para emprestar ao sobrinho Pato Donald quando este caía em suas famosas trapalhadas.
Os Tios Patinhas da vida real apresentados neste artigo são casos patológicos de relacionamento com o dinheiro. Mas longe da ficção e dos casos extremos, muitas pessoas por vezes se veem assumindo comportamentos semelhantes ou próximos a estes.
Você anda acumulando os melhores vinhos na adega e não tem o hábito de provar seus melhores rótulos? O patrimônio o mantém acordado à noite, remoendo-se com perguntas sobre qual a melhor forma de guardar e multiplicar mais e mais? Lembre-se que ser rico não é nadar em moedas de ouro. Rico é quem pode se sustentar apenas do seu patrimônio.
Se você, leitor, se identifica com alguma das situações descritas aqui, considere a possibilidade de procurar um bom psicoterapeuta. A ajuda desse profissional pode ser ainda mais benéfica para sua felicidade – e para seu bolso – do que o auxílio de um planejador financeiro. Afinal, não há dinheiro acumulado que substitua a tranquilidade de saber viver leve.
Jurandir Sell Macedo é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br