Vez ou outra, acompanhamos os rumores de que empresas bastante conhecidas na mídia irão passar por um processo de fusão ou aquisição entre os seus concorrentes. Pois saibam que esse tipo de notícia gera mais do que fofocas nos bastidores das companhias envolvidas. Tais boatos tiraram o sono dos executivos que trabalham nessas empresas, alimentando uma baita insegurança sobre o futuro da gestão do negócio, na hipótese de a notícia se concretizar.
Ora, ter a certeza de que a empresa para quem você dedica boa parte das horas da vida será vendida ou realizará uma aquisição nos próximos meses, ninguém consegue. Ainda que os rumores indiquem que a companhia seguirá por um determinado caminho, a concretização de um processo de Fusão será sempre um evento imprevisível. Talvez seja essa a razão pela qual muitos gestores sintam-se totalmente “perdidos” quando chega a hora “H”, em que precisam liderar o processo de integração de dois ou mais excelentes negócios.
Por onde começar? Como dizer isso aos acionistas? Quem será escolhido para dialogar com os investidores, já que – no caso de S.As listadas na Bolsa – cada companhia mantinha suas próprias equipes? Em outras palavras, qual a melhor maneira de escolher o DRI (Departamento de Relações com Investidores) que prevalecerá após uma fusão?
Cada vez que ouvimos perguntas como essas, costumamos a aconselhar os gestores envolvidos na transação a darem dois passos para trás em suas preocupações. Antes de definir os nomes dos novos comandantes do negócio, esse é o momento de pensar no planejamento estratégico em si, isto é, revisitar os alicerces dos negócios considerando as sinergias que acontecem nesse tipo de operação. Nesse raciocínio, a pergunta sobre quais as novas competências serão necessárias para o bem da empresa torna-se infinitamente mais importante do que uma disputa de dois diretores de áreas similares para saber quem fica com o emprego.
Sim, a companhia tem de vir em primeiro lugar. E o modo mais inteligente de isso acontecer é entender que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o individual. É isso que o acionista espera: maximização do valor para o negócio.
Uma fusão só ocorre porque a empresa enxergou um grande potencial de sinergia, então, é natural que alguns departamentos deixem de existir ou mesmo que surjam novas áreas dentro da empresa. Voltando ao exemplo do departamento de RI, qual deles entende melhor o perfil dos acionistas que a companhia almeja? Seria o time mais preparado para entender pessoas físicas ou aqueles profissionais com excelente relacionamento com investidores institucionais? Pode acontecer desde a preservação de um dos diretores – e aí o segundo nome é afastado –, como o deslocamento desse diretor dispensado para uma outra área estratégica. Pode acontecer ainda de um terceiro executivo, vindo de fora, assumir a diretoria de RI com a dispensa de ambos.
O que não faz sentido é ter dois diretores de Relações com Investidores, e isso ocorre não apenas do ponto de vista regulatório – pois é um cargo responde legalmente perante aos órgãos reguladores e à Comissão de Valores Mobiliários –, mas também sobre a perspectiva da estratégia da empresa. Aquela operação fez surgir um novo ativo, que é único, portanto, requer um só responsável pelo gerenciamento da área.
O mesmo não ocorre com uma marca. Vejam o caso da fusão Brahma e Antarctica. A Ambev optou por manter os dois produtos, certamente com áreas de vendas, marketing, atendimento ao cliente etc. diferenciadas, porque fazia parte do planejamento estratégico da companhia oferecer ao consumidor dois produtos diferentes. Contudo, na hora de conversar com o seu investidor, a Ambev teve de construir uma só embalagem, que entenda de todas as marcas, que conheça as sinergias realizadas para explicar aos acionistas o que aconteceu antes, durante e depois do processo de fusão.
Quando a TOTVS e a Datasul viraram uma só empresa, havia um plano de metas e expectativas que foi preservado independentemente do ego de qual marca seria mantida. Estrategicamente, optaram pelo uso de uma única marca, mas não porque a TOTVS era o lado comprador naquela situação. Mas porque fazia sentido para os objetivos da “nova” companhia que surgiu a partir dessa aquisição. Poderia ter sido o contrário? Talvez. Depende, sobretudo, da estratégia.
Os investidores devem ser informados, principalmente, quanto tempo leva para as sinergias serem concretizadas, que impacto terá a operação para o negócio e o prazo para que esses resultados apareçam, quais os custos envolvidos nesse processo, perspectivas de aumento de despesas, e outros aspectos.
Se está claro que a estratégia deve vir em primeiro lugar, uma dúvida recorrente é: após a fusão de duas empresas, cujas estratégias eram diferentes, porém boas, qual cultura deve ser privilegiada? A resposta é simples: nenhuma.
Num processo como esses, irá surgir uma terceira via de metas e meios para chegar até as primeiras. Afinal, se uma companhia foi adquirida é porque ela tinha um bom potencial, e isso precisa ser aproveitado. Soma-se as coisas positivas do negócio e descarta-se os processos não condizentes com o perfil da nova empresa. O mesmo deve ser feito pelo lado comprador, que irá elencar não só suas vantagens competitivas como seus pontos fracos, endereçando esses últimos. No caso Ambev, uma nova cultura surgiu, nem Brahma, nem Antarctica, mas uma nova e vencedora.
Gostamos de usar a metáfora de um mosaico, onde as melhores estratégias são encaixadas lado a lado, independentemente de virem do lado comprador ou de quem vendeu a empresa. Tudo de bom deve ser aproveitado, resultando no melhor dos dois lados do negócio. Para isso, todos os processos precisam ser revisitados, como produtos, serviços e portfólio. No aspecto do capital humano, a área de Gente e Gestão torna-se uma peça chave para colocar em prática as contratações e demissões, seguindo as diretrizes desenhadas pela alta gestão da empresa.
Parece fácil implementar essas mudanças, mas trata-se de uma jornada que pode levar anos para se concretizar totalmente. O acionista só terá a certeza de que o processo de fusão terminou quando as sinergias esperadas entre serviços, produtos, áreas estão, de fato, integradas. E isso quer dizer que 1 + 1 tem de ser igual 2,2. Caso contrário, não houve sinergia. Da mesma forma que 2 - 1 tem de ser 0,8, para justificar os potenciais.
Parece, também, fácil escolher o “melhor dos dois lados”, mas conhecemos situações que isso deixou de ser feito para preservar um colega de trabalho ou mesmo para aproveitar a ocasião e promover um profissional não qualificado para um cargo que merecia ser ocupado por um outro perfil. Infelizmente, as empresas ainda sofrem do efeito confraria onde cargos importantes são entregues aos “amigos”, muitas vezes sem capacidade para assumi-los. Isso define a preservação do interesse individual em detrimento da geração de valor para a empresa – a antítese da meritocracia.
Portanto, não imagine que, se sua empresa ganhou um novo sócio, a parte mais difícil desse processo ficou para trás, na mesa de negociação, quando o estresse se concentrava no valor a ser pago pelas ações. Terminada essa fase, é hora de encarar um novo e maior desafio para que a mudança tão planejada não vire um fracasso no dia seguinte.
Tenha certeza de que a gestão de recursos humanos será um processo delicado, para evitar – principalmente – que o time oriundo da parte “comprada” não se sinta desmotivado ou inseguro, a fim de evitar consequências bastante nocivas ao negócio. Consultorias existem para auxiliar as partes envolvidas na fusão a aproveitar o melhor das duas culturas e transformá-las numa terceira, que irá valorizar o lado bom do capital humano adquirido.
Entre as medidas mais adotadas num cenário dessa natureza – que se aplicam também aos departamentos de Relações com Investidores – estão o estabelecimento de metas cruzadas permitindo a eliminação de “silos” entre as áreas; a vinculação dos processos de gestão entre si formando um único bloco gerenciável; o desenvolvimento do foco das pessoas com meritocracia; a visibilidade do desempenho mensal da empresa e possibilidade de correção em tempo real (gestão à vista); e, um ponto imprescindível, o aumento da comunicação e interação entre as áreas que permanecerem.
Deste modo, se sua companhia irá passar por um processo de Fusão, acredite que a estratégia deve vir em primeiro lugar, a definição das sinergias aparece na sequência e só então virão as mudanças organizacionais com a definição de quem sentará em cada cadeira. Mesmo esses novos diretores precisarão ser capacitados diante dos desafios futuros no mosaico de excelentes oportunidades que acabam de surgir.
Diego Báez é sócio da Heartman House Consultores, firma de consultoria
especializada em Planejamento Estratégico e Reestruturações.
www.heartman-house.com.br