Muita tinta já foi gasta lamentando a ineficácia do direito de tag along nas empresas brasileiras. A principal bandeira dos minoritários nos anos 90 foi incorporada ao regramento do Novo Mercado e, logo em seguida à lei societária, através da Lei 10.303. Uma década depois, dezenas de empresas foram vendidas sem que os minoritários tivessem acesso aos mesmos termos que os controladores.
A Usiminas é apenas um exemplo disso. Em 2011 o grupo Ternium adquiriu a parcela do grupo de controle que pertencia a Votorantim e Camargo Correa por R$ 36 por ação, quando seu preço de mercado era R$ 20. Pouco depois a ação derreteria para seu nível atual de R$ 7.
Mas não existe almoço grátis. O valor de uma empresa é dado por seus ativos (valor presente do fluxo de caixa) menos os passivos (dívidas). Se este valor for 100 dinheiros, é isto que deve ser repartido entre os acionistas. Se alguém decide pagar 80 por 40% da empresa (lote de controle), isso significa que os outros 60% valem 20. Não há mágica.
Vamos deixar claro aqui que estamos nos referindo ao prêmio de controle que é apropriado exclusivamente pelo acionista controlador. Em transações de fusões e aquisições, é natural que o comprador ofereça um valor acima daquele de mercado, para estimular os acionistas a vender. Esta diferença pode ser motivada por uma percepção de valor da companhia diferente do mercado (ou seja, uma oportunidade de investimento), ou pelo fato de este comprador ter capacidade de agregar valor à companhia, através de políticas de gestão ou de sinergia. Quando este valor é distribuído entre todos os acionistas, todos se beneficiam. O problema ocorre quando somente alguns acionistas se apropriam dessas vantagens. Recebem, portanto um valor superior ao preço de mercado das ações – e este preço de mercado não é afetado pela transação, já que os demais acionistas não poderão vender suas ações pelo mesmo preço.
Os autores da Lei das SA, Lamy Filho e Bulhões Pedreira foram premonitórios ao dizer em carta ao então ministro da fazenda Mário Henrique Simonsen que “a diferença entre as ações de controle e as minoritárias em geral é relativamente pequena, pois, a não ser quando o controle é exercido, abusivamente, em benefício do controlador, não assegura vantagens patrimoniais que justifiquem a atribuição de valor muito maior às ações de controle”.
Em outras palavras, o prêmio de controle excessivo só se justificaria pelo abuso deste mesmo controle.
A briga entre os controladores da Usiminas demonstra exatamente isso. Em sucessivas entrevistas publicadas nos jornais, seus representantes se acusaram mutuamente de abusos. Os argentinos acusaram os japoneses de não investir na companhia, e estarem mais interessados em auferir os benefícios dos contratos de transferência de tecnologia que a Usiminas firmou com a Nippon. Já os japoneses acusam os argentinos de trazerem um número excessivo de funcionários da Ternium, e de remunerá-los em desacordo com as decisões do Conselho de Administração. A Ternium é ainda contraparte da Usiminas numa série de contratos comerciais, tais como de fornecimento de placas.
Infelizmente para os minoritários, ambos estão certos. O que estamos assistindo na Usiminas é uma briga pela divisão dos espólios da companhia, desviados dos minoritários em favor dos controladores. É a prova material dos ganhos desproporcionais e injustificados dos controladores, o que, de certa forma, explica os elevados prêmios pagos pelas ações de controle. Se continuam válidas as lições dos patronos do direito societário brasileiro, é a divisão dos frutos do abuso. Em outras palavras, quem paga a conta do prêmio de controle é a própria empresa e, consequentemente, os acionistas minoritários.
Nossos reguladores optaram, há alguns anos, por uma interpretação restritiva do artigo 254-A da Lei das SA. Casos como Ipiranga e Copesul chocaram os minoritários que viram-se diante de uma realidade na qual as proteções pelas quais lutaram bravamente se esvaiam no juridiquês do momento. Foi a senha para que os advogados construíssem diversas transações de troca de controle onde os minoritários ficam a ver navios. A conjunção de um tag along que não funciona, com a possibilidade de expropriação dos acionistas através de práticas de tunnelling, é uma mistura mortal para nosso mercado de capitais. Ao comprar uma participação X no capital de uma empresa, o investidor não sabe qual a parcela que terá do fluxo de caixa descontado daquela empresa. Num mundo ideal, essa parcela deveria ser X. No Brasil, via de regra, tem sido menor do que X. E, para piorar, é praticamente impossível mensurar a dimensão de tal espoliação. O desvio de valor dos minoritários vai depender da estrutura de controle, da agressividade dos controladores e das oportunidades de transações de tunnelling.
Qual o sentido de comprar gato por lebre – e nem saber se levaremos o gato para casa? Quem será o investidor disposto a investir num mercado assim?
A Amec já se manifestou em outras oportunidades no sentido de que a atual interpretação do direito de tag along no Brasil, deixa muito a desejar. Ainda que não seja possível coibir a totalidade das tentativas de venda de controle sem oferta aos minoritários, é preciso abrir os olhos para as alienações parciais de controle e para as transações encadeadas, que têm como consequência a alteração da maioria do grupo de controle. Alienações indiretas, através de reestruturações, incorporações e aumentos de capital devem ser olhadas com lupa, para assegurar-se que não haja apropriação indevida de prêmio de controle. Acordos ancilares também podem ser instrumentos que escondem prêmios – como comprova a remuneração excessiva de um ex-controlador como presidente do conselho de uma joint venture formada com um sócio.
A alienação de um lote significativo de ações a um preço distante do mercado deveria ser uma luz amarela – ou talvez laranja – na supervisão baseada em risco da CVM. E mesmo sem a revisão da jurisprudência sobre aplicabilidade do tag along, tais transações devem ser analisadas para a detecção dos abusos de controle previstos por Lamy Filho e Bulhões Pedreira.
(*) A AMEC publica mensalmente na Revista RI - artigos a respeito de posições importantes para a associação. O objetivo é facilitar o reconhecimento da Amec como referência em discussões a respeito do nosso mercado de capitais, e difundir as ideias defendidas pela associação para o público em geral.
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