Está na mesa de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, com requerimento de urgência para ser apreciado em plenário, o Projeto de Lei (PL) 3.293, da deputada Margarete Coelho (PP/PI), que propõe alterar a Lei 9.307/1996, sobre o procedimento da arbitragem no país.
O objetivo, segundo a parlamentar, seria o de disciplinar a atuação do árbitro, aprimorar o dever de revelação, estabelecer a divulgação das informações após o encerramento do procedimento arbitral e a publicidade das ações anulatórias, entre outras providências.
Evidentemente que nada é tão bom que não precise de ajustes. Há, porém, iniciativas que não agregam valor e que apenas colocam em risco o que já funciona bem. No Brasil a arbitragem é um caso de sucesso. Trata-se de um sistema que se consolidou como um dos principais meios para resolução de controvérsias e de pacificação social, dispensando recurso ao Judiciário. O sistema, inclusive, faz parte das regras do Novo Mercado da B3 desde a sua criação, há cerca de 20 anos.
Por essas razões a Abrasca submeteu à sua Comissão Jurídica (COJUR) o PL 3.293 para ser analisado. A opinião consensual é que a modificação proposta pela deputada é complexa e exige aprofundamento de discussões, contribuição de diversos setores da economia, das áreas diretamente afetadas e de toda a comunidade jurídica.
No entendimento da COJUR, a proposta de lei é uma tentativa de regulação e controle da esfera privada, criando limitações e restrições desnecessárias à liberdade das partes de decidirem sobre procedimento arbitral para solução de suas controvérsias privadas.
As alterações propostas, em sua maioria, ou são redundantes e desnecessárias, por já estarem previstas na Lei de Arbitragem com sua redação atual, ou não são as melhores formas de atacar os problemas levantados na Justificativa do Projeto. Isso pode provocar efeito rebote que implicaria na falência do instituto no Brasil, por comprometer a segurança jurídica e a autonomia da vontade das partes.
Com base na argumentação de sua Comissão Jurídica, a Abrasca decidiu endossar, integralmente, a Nota Técnica expedida pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), que é especializado no tema, e pedir também o arquivamento do projeto de lei.
Confidencialidade
Um dos pontos do PL que chama atenção da Abrasca é a proposta de alteração na regra de confidencialidade, ponto muito relevante para as companhias associadas. Este mesmo item mobilizou a Abrasca a discutir longamente, em 2020, a audiência pública da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para alterar a Instrução 480 com objetivo de criar um novo comunicado sobre demandas judiciais e arbitrais de natureza societária. O fruto deste trabalho foi consolidado em uma carta enviada à autarquia com diversas sugestões de adequação do texto.
Em abril deste ano, a CVM editou a Resolução 80, que entrou em vigor em maio último. A autarquia acolheu alguns itens propostos pela Abrasca, entre eles o de não obrigar as empresas a divulgarem toda e qualquer decisão judicial, e se restringir apenas às consideradas “fundamentais”. Foi uma grande conquista, pois, como estava na minuta do texto, as companhias teriam de divulgar inclusive as decisões provisórias.
Outro ponto muito relevante acolhido pela CVM foi a sugestão da Abrasca de eliminar a obrigação de disclosure da proposta de acordo. Da maneira como veio a minuta da regra, toda e qualquer proposta deveria ser divulgada. Não é difícil imaginar a quantidade de problemas que isso acarretaria, como cancelamento da negociação e impacto na cotação das ações e no valor de mercado da companhia. Além disso, a empresa estaria obrigada também a divulgar os acordos processuais.
A CVM, portanto, acolheu a sugestão da Abrasca e afastou o dever de divulgar essas propostas, o que consideramos um importante aperfeiçoamento na ótica das companhias abertas.
A CVM também acolheu a sugestão de aumentar de três para sete dias úteis o prazo para divulgação de informações. Aceitou também adotar um regime de transição, ou seja, a obrigatoriedade de divulgação começou a partir da entrada em vigor da norma.
Citamos esses pontos para mostrar que a questão da confidencialidade nos processos arbitrais foi tratada recentemente e já está disciplinada por outros instrumentos legais.
Vale destacar que a CBAr, em sua Nota Técnica, chama atenção que o PL busca, entre vários pontos, alterar o artigo 33, §1º da Lei de Arbitragem, bem como inserir os artigos 5-A e 5-B, mitigando a autonomia das partes quanto à opção de terem um procedimento arbitral estritamente confidencial.
No projeto, a deputada Margarete Coelha justifica essas alterações como uma maneira de trazer maior segurança jurídica e coesão para as decisões arbitrais, bem como desestimular a proposição de demandas anulatórias.
A CBAr, contudo, destaca que a confidencialidade não é obrigatória no instituto da arbitragem. Pelo contrário, depende do exercício da autonomia privada para definir que um procedimento seja confidencial. Restringir esta liberdade apenas é admissível sob forte justificativa de interesse público, o que não ocorre em procedimentos estritamente privados.
A Câmara cita que iniciativas das próprias instituições arbitrais brasileiras e internacionais têm trazido soluções adequadas à transparência que o Projeto de Lei pretende criar.
Não é demais lembrar que o próprio Código de Processo Civil prevê segredo de justiça aos processos sobre arbitragem. Assim, a alteração proposta pelo Projeto de Lei quanto a alteração do artigo 33, §1º, contraria dispositivo de lei já em vigor, o que geraria não apenas conflito de normas, como também insegurança e instabilidade jurídica.
Eduardo Lucano da Ponte
é presidente-executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).
abrasca@abrasca.org.br