A governança corporativa apresenta uma trajetória evolutiva que contribui cada vez mais para a melhoria das organizações. Seus princípios têm embasado os negócios, engajando as empresas a se preocuparem com toda a sociedade e buscarem garantir a satisfação dos acionistas e demais stakeholders.
Para que esses processos sejam bem-sucedidos, é decisivo o papel dos agentes de governança, notadamente os membros do conselho de administração, protagonistas no aperfeiçoamento contínuo das práticas de governança e cruciais para que as companhias sejam capazes de acompanhar os cenários oriundos de um mundo VUCA (abreviação de volatility, uncertainty, complexity e ambiguity).
Desde o início de sua prática nos anos 80, nos Estados Unidos, além do impulso que ganhou no Reino Unido, na década de 90, com o Relatório Cadbury, elaborado pelo London Stock Exchange, sob a liderança do empresário Adrian Cadbury, a governança corporativa foi se desenvolvendo e ganhando crescente reconhecimento. Em 1994, transcendeu, pela primeira vez, às questões econômico-financeiras, a partir do Relatório King (King Report), produzido na África do Sul, no contexto da democratização do país, sob a coordenação de Mervyn E. King, juiz aposentado da Suprema Corte.
No Brasil, a governança começou a ganhar relevância em meados dos anos 90, com a abertura para o capital estrangeiro, que trouxe um patamar maior de exigência com relação à transparência e ao direito dos acionistas minoritários. Como reação a este movimento, o País ganhou a primeira edição do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC no final desta década, que se tornou um dos pioneiros na área em todo o mundo. Simultaneamente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, lançou seus princípios para as boas práticas na área.
Na primeira década do Século 21, as sucessivas crises apontaram gaps das estruturas de governança e, consequentemente, suscitaram novos avanços da governança corporativa. Em 2002, fraudes contábeis resultaram na Lei Sarbanes Oxley nos Estados Unidos, em que a prestação de contas passou a ser mais exigida dos administradores, e em 2008, o crash do subprime nos Estados Unidos, a partir do descontrole da emissão de derivativos, com impacto mundial, trouxe a importância da gestão de risco para a pauta, gerou o Dodd-Frank Act nos Estados Unidos e a instrução CVM 480 no Brasil.
No Brasil, grandes empresas entraram em dificuldades. Cabe considerar que, certamente, muitas dessas situações poderiam ter sido evitadas se conselheiros e demais membros da gestão estivessem melhor preparados e tivessem a real dimensão de seu papel e responsabilidade. A mesma indagação é pertinente quando olhamos para o cenário dos grandes escândalos de corrupção que eclodiram em nosso país a partir de 2010.
De lá pra cá, o anseio nacional e mundial por compliance, ética e transparência e a aderência dos países ao Acordo de Paris, firmado em abril de 2016, ampliaram ainda mais a abrangência e a importância da governança corporativa. Recentemente, a pandemia de Covid-19, iniciada em 2020, reforçou a atenção que as empresas precisam ter com a saúde pública, o meio ambiente, o bem-estar de seus colaboradores e da sociedade. Também acelerou o processo de digitalização. De acordo com a 33ª edição da Pesquisa Anual sobre o Mercado Brasileiro de TI e Uso nas Empresas, divulgada em maio deste ano, pelo Centro de Tecnologia da Informação Aplicada (FGVCia) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP), o processo de antecipação de Transformação Digital das empresas no Brasil foi o equivalente ao esperado para o período de um a quatro anos.
Enquanto, há pouco tempo, muitos usavam sua experiência executiva para tomar decisão, a rapidez nas mudanças, tanto nas reações do consumidor quanto nas novas tecnologias que repentinamente tornam negócios sólidos obsoletos, agora passa a ser relevante a capacidade de reação, adaptação e compreensão de ambientes complexos. Tudo isso exige um novo grau de capacitação, conhecimento e postura dos conselheiros.
Na esteira das transformações que já vinham ocorrendo no novo século e se antecipando aos movimentos disruptivos que se seguiram, o IBGC lançou, em 2009, o Programa de Certificação de Conselheiros, fortemente baseado na conduta e na educação continuada. O instituto também liderou o Grupo de Trabalho Interagentes, que reuniu entidades relevantes do mercado de capitais para criar um compêndio de procedimentos para as companhias abertas. O documento resultou, em 2016, no Código Brasileiro de Governança Corporativa, cujos preceitos foram posteriormente inseridos na legislação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Acompanhando toda essa evolução, em pouco mais de 30 anos, fica mais compreensível que cenários marcados pela volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade - predominantes neste século - cobram elevado nível de dedicação e preparo dos boards, algo que torna a educação continuada um dos focos mais expressivos no âmbito dos conselhos. Ainda que o nível de maturidade dos conselheiros varie e que muitos disponham da solidez de suas carreiras, há sempre espaço para diversificar experiências e amplificar a habilidade para ouvir, trilhar novas vivências e se posicionar à luz da nova realidade, seja no Brasil ou em qualquer lugar do mundo.
Adriane dos Santos de Almeida
é diretora de Desenvolvimento do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), responsável pelas atividades de educação e certificação de profissionais de governança.
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