Entrevista

LEONARDO PEREIRA, PRESIDENTE DA CVM

A visão do xerife
O Brasil tem vivido períodos turbulentos, porém, as iniciativas para o fortalecimento do Mercado de Capitais devem ser contínuas, ressalta Leonardo Pereira, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cujo mandato a frente da autarquia, que teve início em novembro de 2012, se encerra agora no próximo dia 14 julho - fazendo um balanço de sua gestão.

Segundo Leonardo Pereira, a CVM tem conseguido cumprir as metas estabelecidas em seu plano estratégico. Nesse final de mandato, o “xerife” tem tido muito trabalho devido às investigações da JBS, que já conta com inquéritos e investigações em andamento. Acompanhe a seguir, a entrevista exclusiva concedida pelo presidente da CVM à RI.

RI: Como deverá reagir o mercado de capitais diante desse quadro turbulento de incerteza política e conseqüente risco de efeitos negativos sobre a nossa economia?

Leonardo Pereira: O mercado de capitais vive ciclos de otimismo e pessimismo. Ultimamente, o Brasil tem passado por mais momentos turbulentos do que todos nós gostaríamos. E ninguém fica feliz com isso, pelo nosso potencial, e porque sabemos o quanto um mercado de capitais vigoroso pode contribuir para o País em termos de financiamento e suporte ao desenvolvimento socioeconômico. A tendência é que, com a redução da instabilidade, seja possível sentir uma resposta mais forte do mercado em termos de novos investimentos e projetos. O fato é que a CVM, como reguladora do mercado de valores mobiliários, tem que estar preparada para qualquer cenário. E trabalhamos muito nos últimos anos para assegurar isso, fortalecendo as bases de governança e segurança que vão fazer com que o processo de retomada seja sustentável.

RI: Como o senhor avalia a percepção dos investidores estrangeiros a respeito do Brasil?

Leonardo Pereira: De certa forma, acredito que a percepção tem melhorado. É claro que, em regra, um ambiente de incertezas não é atrativo - e o quanto antes forem superadas as instabilidades que afetam o País, melhores serão as perspectivas do mercado. Mas, ao mesmo tempo, é possível vislumbrar, no cenário macro, que temos passado por uma verdadeira reestruturação, que afeta positivamente a visão e a confiança sobre o País no longo prazo.Especificamente quanto à regulação do mercado de capitais, também sinto que há uma percepção positiva sobre os aprimoramentos que dão maior segurança e eficiência aos investidores e captadores de recursos. Cito aqui como exemplo as alterações visando maior agilidade e dinamismo de ofertas de distribuição (como mudança na instrução 476 de ofertas com esforço restrito e o novo Programa de Distribuição de Valores Mobiliários), também as reformas voltadas ao fortalecimento da indústria de fundos (como a Instrução CVM nº 555/2014, a nova regra dos FIPs e o aprimoramento na governança e transparência dos fundos imobiliários) e a regulação dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA).

RI: Qual a sua avaliação sobre o lançamento do Código Brasileiro de Governança Corporativa que uniformiza práticas adotadas por todas as companhias emissoras de valores mobiliários, no modelo “Pratique ou Explique”? Esse Código é importante na atração de investimentos? 

Leonardo Pereira: O Código é um passo muito importante. E, como tenho enfatizado, tanto pelo processo de construção, como pela qualidade do seu conteúdo, representa uma mensagem firme e clara à comunidade global de investidores, de que governança no Brasil é assunto prioritário e que deve ser levado a sério. Acho importante também desmistificar essa visão de que o Código pretende uniformizar as práticas de governança adotadas pelas companhias abertas. Pelo contrário. A adoção do modelo “Pratique ou Explique” reconhece, justamente, que não necessariamente a prática que está no Código é a forma mais adequada para determinada companhia atender o princípio de governança correspondente. Na realidade, cabe à própria administração adotar a estrutura que ela entenda ser mais adequada às necessidades da companhia, prioridades e características. E, naturalmente, caberá aos investidores julgar a adequação da estrutura adotada. O Código, nesse modelo, respeita e fomenta essa autorreflexão, ao mesmo tempo em que fornece aos investidores subsídios para fazer essa avaliação de forma adequada.

RI: A proposta da CVM de criar um novo documento periódico com informações sobre a governança das Companhias Abertas não foi bem recebida pelo Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri) e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). As entidades defendem que as informações das empresas sobre aplicação do Código Brasileiro de Governança Corporativa sejam integradas ao formulário de referência e não em documento separado. Como está esta questão? Qual é o posicionamento da CVM?

Leonardo Pereira: A CVM está avaliando a forma mais adequada de divulgação das informações do Código e ainda não há posicionamento fechado.

RI: Como está o andamento do Plano Estratégico da CVM, que lista 15 objetivos a serem perseguidos pela autarquia até 2023? Quais as simplificações de procedimentos, estímulos aos investimentos e medidas de proteção aos aplicadores já foram colocados em prática? Quais as iniciativas que deverão sair do papel no horizonte próximo?

Leonardo Pereira: Olhando em perspectiva, a CVM progrediu bastante em relação aos objetivos estabelecidos para 2023. Tínhamos uma meta clara de aprimorar a comunicação com o mercado e com a sociedade, o que foi viabilizado, por exemplo, pela implementação do Processo Eletrônico (Sistema Eletrônico de Informações) e pelo desenvolvimento de um site mais intuitivo, visual atrativo e, sobretudo, com ferramentas de busca mais modernas. A atividade sancionadora foi outro ponto no qual também houve melhorias expressivas. Reduzimos sensivelmente o tempo médio dos processos sancionadores. Firmamos acordo de cooperação com o Tribunal de Contas da União (TCU) para viabilizar o intercâmbio de acesso a bases de dados, o que nos auxiliará bastante nas investigações de ilícitos como o insider trading. Outro exemplo bem atual é a proposta de rito simplificado para o processo sancionador que está em audiência pública e, uma vez em vigor, irá agilizar o julgamento de determinadas infrações pelo Colegiado. Em relação às novas iniciativas, acho importante destacar o “CVM Tech”, que definirá o caminho que a autarquia deverá percorrer para que, em um horizonte de 5 anos, esteja mais bem preparada tecnologicamente para enfrentar os desafios da nossa regulação. Cito também o projeto de aperfeiçoamento do processo de arrecadação, que vai aumentar a efetividade da atuação da CVM por meio do incremento da entrada efetiva de caixa oriunda das multas aplicadas e da taxa pelo exercício do poder de polícia sobre o mercado.

RI: Até o final do seu mandato na CVM, previsto para julho próximo, quais as principais metas e projetos trabalhados para fortalecimento do mercado de capitais?

Leonardo Pereira: A bem da verdade, sempre procurei desvincular a agenda da CVM do meu mandato. Claro que toda gestão tem um toque particular de quem está à frente da autarquia, e esses últimos meses também têm servido para consolidar e aprimorar as iniciativas priorizadas no período. Como exemplo, as evoluções no campo da governança corporativa, culminando agora com a incorporação do Código na Instrução CVM nº 480. Também vale citar novamente as últimas reformas pontuais no regime sancionador (com a criação do rito simplificado, reduzindo o tempo de tramitação dos processos no Colegiado), que foi objeto de uma grande reflexão e avanço nos últimos anos. O ponto é que a CVM tem uma pauta maior, que felizmente independe de dirigente ou mandato - que já existia quando cheguei à autarquia e que vai permanecer nos próximos anos, claro que aprimorada pelas experiências e atualizada para que a CVM siga acompanhando a evolução do mercado.

RI: Como a CVM tem agido para que os direitos dos acionistas minoritários sejam respeitados? Há investidores que apontam que os tratamentos não-equitativos entre acionistas controladores e minoritários consistem em forte empecilho ao desenvolvimento do mercado de capitais...

Leonardo Pereira: Como regulador, sempre buscamos ser equilibrados na definição das diretrizes regulatórias. Em diversas oportunidades, seja no desenho das normas, na definição das prioridades do nosso Sistema de Supervisão Baseada em Risco, e também nas decisões tomadas no âmbito dos processos sancionadores, a CVM tem atuado para proteger os investidores e assegurar tratamento equitativo aos minoritários. Ocorre que essas medidas, em regra, afetam direta ou indiretamente diversos regulados de maneiras diferentes, então é natural que haja percepções diversas a respeito sobre o impacto das decisões da CVM junto aos participantes do mercado. 

RI: Nos últimos anos, houve mudanças em relação às punições às empresas que cometem irregularidades? Houve atualização dos valores das multas e das sanções administrativas, assim como, medidas para agilizar as investigações?

Leonardo Pereira: A atividade sancionadora como um todo foi fortalecida nos últimos anos. A CVM tem trabalhado com metas, de qualidade e celeridade, em todas as etapas dos processos sancionadores (da instauração ao julgamento). Isso tem resultado na limpeza do estoque, na redução da idade dos processos com potencial sancionador e em um maior número de processos instaurados e julgados. Como referência, no ano de 2016, foram levados a julgamento pelo Colegiado 65 processos sancionadores, maior número já verificado. Para ilustrar, os processos julgados em 2016 resultaram em um total de 198 acusados punidos, incluindo 31 penalidades de suspensão, inabilitação ou proibição de praticar determinadas atividades ou operações no mercado, além de 219 multas que totalizaram R$ 45,8 milhões. Não obstante, é importante destacar que tramita em Brasília projeto de Medida Provisória que aprimora a Lei nº 6.385/1976, e que, dentre outros pontos, visa a ampliar os limites dos valores das multas que podem ser aplicadas pela CVM, reforçando a efetividade da atividade sancionadora. A título de exemplo, as multas aplicadas passariam a ter como limite o valor de R$ 500 milhões. Também passaria a ser possível a celebração de acordos de leniência com a finalidade de auxiliar as investigações em curso.

RI: De que forma a CVM está investigando as operações suspeitas do Grupo JBS no mercado de capitais que foram feitas no período de revelação do conteúdo da delação premiada?

Leonardo Pereira: Segundo comunicados da CVM nos dias 18, 19 e 23 de maio, últimos, foram abertos diversos processos administrativos para apurar os fatos noticiados envolvendo o Grupo JBS. Os processos mencionados têm por objeto verificar, por exemplo, supostas irregularidades relacionadas ao uso de informações privilegiadas em negociações de dólar futuro e ações, além de operações realizadas pela FB Participações, controladora da JBS, e do Banco Original, pertencente ao mesmo grupo. Ressalto também que, conforme o desdobramento dos fatos e o desenrolar das apurações, é possível que surjam novas questões a serem investigadas. O mais importante, nesse momento, é dar espaço e tempo para as áreas técnicas realizarem suas análises de forma ponderada e independente, seguindo o trâmite adotado nos demais processos.


Continua...