No final do ano passado decidi que era a hora de trocar meu velho carro, entrei em uma conhecida concessionária de veículos esportivos e me deparei com um péssimo atendimento. O vendedor rapidamente avaliou que eu não devia ter muitos recursos e começou a me apresentar modelos básicos e opções de financiamento que nada me interessavam.
Quando finalmente perguntei se o modelo era 4x4 ele, com ar de enfado, me mostrou o carro ao lado e me informou que era muito mais caro e a diesel. Perguntei então se era possível encomendar o mesmo modelo a gasolina da fábrica e ele, com sua paciência esgotada e em tom irônico, respondeu, “mas o senhor acha que a fábrica vai fazer um carro só para você?”.
Sai da loja desanimado, continuei com meu velho 4x4 e meu dinheiro continuou tranquilamente investido em um lugar onde as pessoas falam a minha língua e me tratam bem.
Quando contei o episódio à um amigo ele comentou que, quando foi à mesma loja havia sido muito bem atendido e me esclareceu que a marca só fabrica carros 4x4 a diesel. Então o problema não era a loja que não tinha o modelo, mas a fábrica que não fazia o que eu queria.
Pensando nisso, a marca deve tratar muito bem a maioria dos seus clientes visto que é um sucesso de vendas. O que ela não estava preparada era para atender alguém que não conhece nada de carros, nunca comprou uma revista de automóveis e, sequer, consultou sites antes de ir à loja.
Ao contrário da maioria das pessoas eu não tenho nenhuma relação emocional com carros. Para mim, são apenas instrumentos que preciso utilizar para me locomover e, se fosse possível, eu viveria apenas com minhas bicicletas.
Este episódio me mostrou claramente como se sente a maioria das pessoas quando precisam lidar com seus investimentos e passam por esta experiência com sinal trocado. Tentam investir, mas, são atendidos por pessoas que falam uma linguagem que elas não entendem e que, em muitas vezes, estão mais preocupadas com as comissões que vão receber do que com a real necessidade do potencial cliente. Assim, as pessoas acabam desistindo dos investimentos e acabam gastando com compras em lojas acolhedoras que falam a sua língua.
Plataformas abertas
Ao contrário dos especialistas em finanças a maioria das pessoas prefere viver sem pensar em mercados financeiros. Muitas vezes sabem que precisam investir, mas, se sentem tão desconfortáveis com a forma com que os produtos financeiros lhe são apresentados que acabam desistindo.
Se perguntarmos para qualquer pessoa que vende carros ela vai garantir que atende muito bem seus potenciais clientes, a mesma coisa acontece no mercado financeiro. Impera a convicção que temos melhorado constantemente a qualidade do atendimento, porém, tenho dúvidas a esse respeito.
Em um passado recente as poucas pessoas que tinham recursos para investir eram atendidas por um gerente que, mesmo com poucos conhecimentos, tinha tempo para criar uma relação de proximidade com seus clientes. Era um mundo de poucos investidores e poucos produtos financeiros.
Quando alguém entrava em um banco sabia que só seria oferecido produtos daquela casa. Era impensável entrar em X e comprar produtos financeiros de Y. Os bons gerentes tentavam direcionar seus clientes para o produto mais adequado dentre aqueles que sua instituição oferecia, os maus direcionavam seus clientes para os produtos que lhe dessem mais comissões.
Porém o mundo, particularmente o Brasil, mudou rapidamente. O número de brasileiros com possibilidade de investir aumentou muito. Contribuiu para isto a redução drástica da inflação, o crescimento do PIB, o envelhecimento da população e a percepção cada vez mais presente de que a previdência pública não vai conseguir sustentar uma população cada vez mais longeva.
Gerentes com cada vez mais clientes naturalmente passaram a dedicar menos tempo para cada um deles. A quantidade de produtos oferecidos aumentou drasticamente e o conhecimento dos gerentes não conseguiu acompanhar a sofisticação do mercado.
Clientes que perderam o contato pessoal com seus gerentes viram o elo que lhes ligava ao seu banco se fragilizando. Assim, surgiu espaço para as plataformas abertas ou os supermercados de produtos financeiros.
Estes surgiram com a promessa de que finalmente os clientes não ficariam reféns de uma única instituição financeira. Era como se o cliente pudesse entrar em uma loja de veículos e fosse ali encontrar diversas marcas à sua disposição. O vendedor poderia indicar o veículo ideal para cada comprador de forma isenta em relação às marcas.
De fato, as plataformas abertas resolvem o problema de alguns, mas, nem de longe resolvem o problema da maioria. Ter diversos produtos a disposição não significa que o cliente leigo vai saber qual o mais indicado para seu caso.
O produto ideal
Por falta de conhecimento no mercado financeiro, a ideia de que existe “o melhor” produto ainda faz parte do imaginário popular. O que sabemos ser totalmente falso, uma vez que cada produto vai ser indicado para um caso específico. Pensando na minha situação, apesar de uma Ferrari ser um carro excelente, eu não conseguiria carregar bikes e nem pegar estradas de barro esburacadas e cheias de lama que me levam aos meus reflorestamentos. Então, para mim, seria um carro péssimo.
Agora, como um poupador leigo poderá escolher o produto ideal? Não há dúvidas de que ele tem muito mais produtos a sua disposição, ganhou plataformas abertas que oferecem produtos sofisticados de diferentes gestores. Porém, agora que perdeu o relacionamento que tinha com os gerentes de banco, o novo investidor ou deverá conhecer mais sobre investimentos ou precisará de uma boa assessoria, como acontece com os clientes dos private banks.
Fui um dos fundadores do antigo Instituto Brasileiro de Planejadores Financeiros, IBCPF, atual Planejar. No modelo ideal o planejador financeiro deveria cobrar para analisar a situação financeira do cliente e indicar o produto mais adequado para sua situação. Seria um profissional que, ao cobrar do cliente, pensaria apenas nos interesses deste, sem viés.
Alguns profissionais ainda continuam com este modelo, mas, infelizmente é cada vez mais comum que através de subterfúgios se remunerem com comissões e rebates sobre a alocação que fazem dos seus clientes. Isto é, recebem de instituições financeiras e muitas vezes indicam o que lhes dá mais retorno sem, necessariamente, pensar antes nas necessidades dos seus clientes.
É o pior dos mundos para o investidor. Ele paga pela isenção de um profissional e, sem saber, é induzido a seguir aquilo que é interessante para aquele que paga a comissão e não para quem paga os honorários.
O desafio do setor financeiro é enorme. Se continuarmos a falar uma linguagem diferente do leigo continuaremos a perder a guerra para o consumo e os brasileiros continuarão a poupar muito menos do que seria recomendável.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br