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O RELATÓRIO DE ANÁLISE DE INVESTIMENTOS

De acordo com a ICVM 483/2010, em seu artigo 1º, Analista de Valores Mobiliários é ... “a pessoa natural que, em caráter profissional, elabora relatórios de análise destinados à publicação, divulgação ou distribuição a terceiros, ainda que restrita a clientes”. Notem que a norma não deixa explícito “analista sell side” ou “analista buy side”; simplesmente “analista de valores mobiliários”. Ainda assim, que elabore “relatórios de análise” não simplesmente “públicos”, mas “ainda que restrito a clientes”. Vale então aqueles para cotistas ?

Nos parágrafos 1º e 2º desse artigo a expressão “relatório de análise” significa ... “quaisquer textos, relatórios de acompanhamento, estudos ou análises sobre valores mobiliários específicos ou sobre emissores de valores mobiliários determinados que possam auxiliar ou influenciar investidores no processo de tomada de decisão de investimento” ... além do que ... “exposições públicas, apresentações, reuniões, conferências telefônicas e quaisquer outras manifestações não-escritas, cujo conteúdo seja típico de relatório de análise, são equiparadas a relatórios de análise, para os fins do disposto nesta Instrução.” Vale então para palestras, seminários, congressos e semelhantes ?

Apesar do alerta a todos os “analistas de plantão”, pois quem recomenda compra, venda ou manutenção de valores mobiliários é o Analista de Valores Mobiliários certificado e credenciado sob a ICVM 483, com seu CNPI ou o que determina a Deliberação CVM 633/2010, a intenção aqui é chamar a atenção para uma peça, que antes de “relatório de análise”, é uma peça de expertise, know how, estudo, inteligência, sensibilidade, percepção, profundidade, exaustão, e porque não de marketing de um estudo de um profissional, que geralmente conhece de fora muito mais uma empresa do que muito funcionário de dentro.

Em seu Código de Conduta, o artigo 1º visa entre outras o fortalecimento da profissão, buscando elevar o nível de excelência dos mercados, “o respeito aos demais analistas, suas opiniões e análises”, e principalmente seu respeito ao investidor de forma a sempre privilegiar os interesses deste. E aqui, apesar de “rendimento passado não ser garantia de rendimento futuro”, nosso Relatório de Análise acaba virando estratégia de marketing em alguns casos beirando ao Charlatanismo ... “Fique rico em dois meses com os nossos métodos”. O investidor quer fundamento e transparência.

No artigo 2º desse Código, no exercício de sua profissão, o Analista deve aderir aos Princípios Gerais de Honestidade, Integridade e Equidade, de Prudência e Diligência, de Independência e Objetividade, de Competência Profissional, e o de Cumprimento das Leis e Normas a que esteja sujeito. Se para alguns a “Informação Privilegiada” (artigo 15 ao 18) é o desejo de ficar milionário ou sair na frente do mercado, para o Analista é dever de distinguir, de abster-se, de alertar o emissor. A riqueza da profissão é o fascinante mundo das transformações do dado público em conclusões e decisões de investimento, o que não é privilégio, é julgamento, é opinião, é distinção.

Em artigo de Madison Marriage do Financial Times, reproduzido pelo Valor Econômico em 08/02/2017, há uma citação de que a abordagem fundamentalista não mudou muito no último século e os relatórios de análise da década de 20 e de hoje são parecidos. Será ? Em muito se evoluiu no pensamento de avaliação de investimento. Para quem não lembra de tudo veremos então.

Em participação no livro TOP APIMEC Análise de investimentos, a ser lançado em julho, Juliano Pinheiro, ex presidente da APIMEC MG, traça um histórico de contribuições à Análise de Investimentos, o qual recomendo sua leitura pela riqueza de detalhes. Em 1929, em curso ministrado por Benjamin Graham as anotações de David Dodd foram base para a publicação em 1934 do livro The Inteligent Investor and Security Analysis, a primeira tentativa de explicação do funcionamento do mercado acionário.

Um dos primeiros modelos para determinar o preço das ações foi desenvolvido por John B. Williams (1931), afirmando que o preço de uma ação deveria refletir o valor presente dos dividendos futuros da ação. O mais famoso foi o Modelo de Desconto de Dividendos de Crescimento Constante, ou modelo de Gordon, em homenagem a Myron J. Gordon.

Nos artigos “The Cost of Capital, Corporation Finance” e “The Theory of Investiment” (1958), Franco Modigliani e Merton Miller formaram a base do pensamento moderno sobre estrutura de capital em finanças empresariais.

Em 1959, Harry Max Markowitz publicou seu livro Portfolio Selection, iniciando uma nova era na análise de investimentos, o primeiro a propor a administração de carteiras de ativos, com base na relação risco-retorno e na identificação matemática da “diversificação correta”.

Em artigo “Liquidity Preference as Behaviour Toward Risk” (1958), James Tobin provou um “Teorema da Separação”, que mostrava que as técnicas de Markowitz poderiam ser aplicadas para escolher a exposição ao risco variando investimentos na carteira tangente e no investimento livre de risco.

Markowitz inspirou modelos como o de William Forsyth Sharpe, que em seu artigo “Capital Asset Prices: A Theory of Market Equlibrium Under Conditions of Risk” (1964) apresentou uma teoria para precificação de ativos, o CAPM – Capital Asset Pricing Model, cujo coeficiente de regressão é o coeficiente de volatilidade Beta. Junto com Sharpe, John Lintner (1965), marca o nascimento da Teoria da Precificação de Ativos. Teorias alternativas ao CAPM tem sido tema de pesquisas e a de maior destaque é o da Precificação por Arbitragem, desenvolvido por Steven Ross (1976), o Arbittrage Pricing Theory (APT).

Nos anos 90, a análise de investimentos se renovou, criando uma nova vertente conhecida como “Valuation”, o Custo Médio Ponderado do Capital - WACC, o EVA - Economic Value Added e Fluxo de Caixa. A análise fundamentalista ganha nova dimensão com a incorporação da análise quantitativa, que busca a previsibilidade da rentabilidade futura de um valor baseando-se em variáveis explicativas dela mesma. Eugene Francis Fama ficou conhecido como “pai da Hipótese dos Mercados Eficiente”, com grande contribuição para a análise quantitativa, com artigo Efficient capital markets: a review of theory and empirical work (1970).

A questão do risco ganha contribuições com o trabalho de Sortino e Lee (1994), do conceito de risco Downside Risk. Já o conceito do Value at Risk - VaR coube a Jorion (1997). Tivemos ainda contribuições de Ou & Penman (1989), Lev e Thiagajaran (1993), Abarbanell e Bushee (1997).

Vejam então que muito se evoluiu, considerando-se que milhares de trabalhos, teses, dissertações vieram sendo apresentadas ao longo das décadas. O que talvez a matéria do Financial Times reflita é justamente a evolução de analistas medíocres para os Robos Advisors, que sem dúvida irá acontecer por aquilo que é perceptível por uma máquina, mas programada por um ser humano. Em mesmo artigo do Financial Times há considerações de que vários bancos já estão trabalhando com analistas “virtuais”, softwares movidos por técnicas de inteligência artificial, que poderão automatizar muitas das tarefas mais simples. Isso é ótimo para os investidores, mas é também uma enorme mudança para o negócio de análises de investimentos. O capital intangível, a percepção, a sensibilidade, o discernimento, o pressentimento, o feeling, o momento de que “algo está estranho” é humano.

E aqui o “recado” é para o Analista que precisa sempre agregar informação para tomada de decisão pelo investidor. Aquela que ele se sinta atendido em entender. A sopa de letrinhas que estamos acostumados tais como P/B, P/E, EV/EBITDA, ROIC, entre outras, devem se juntar a outras, agregando-se aquelas que, apesar de Up Sides fabulosos e que o “mercado não paga”, transmitam algo que significam Geração ou Destruição de Valor ao Acionista, preocupações com o que está além dos nossos olhos, quase sempre não transparentes por conta da “Perpetuidade” ou seria “Sustentabilidade” ?

Sinalizar os aspectos e riscos que afetam o desempenho de uma empresa, um investimento, seja ações ou renda fixa, é Dever Fiduciário também do Analista e isso é analisar as questões ASG. Também no livro TOP APIMEC, que recomendo em muito a leitura do capítulo “Integração ASG - Questões Ambientais, Sociais e de Governança Corporativa à Análise Fundamentalista de Investimentos”, de Maria Eugenia dos Santos Buosi, essas questões “advém do avanço do debate ambiental, da mudança de comportamento social e do posicionamento do mercado por maiores exigências de transparência nas práticas entre executivos, administradores e demais agentes da governança das empresas”.

Explicitamente um último “recado”. A natureza ambiental e social é intangível. Já a governança é dos homens e estes tem interesses. O Analista tem o seu dever com a transparência de suas premissas.

Ricardo Tadeu Martins
é economista e analista de Valores Mobiliários da Planner Corretora de Valores e presidente da Apimec - Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais. O artigo reflete as opiniões pessoais do autor.
ricardomartins@planner.com.br


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