Enfoque

PARA ALÉM DA GOVERNANÇA CORPORATIVA...

Governança Corporativa, como se evidencia, não garante a virtude de acionistas controladores e executivos. Tampouco representa para investidores, consumidores ou clientes, fornecedores e funcionários imunização quanto a desvios comportamentais.

Cabe, sem dúvida, constatar, até com admiração, como a conceituação e as práticas de governança corporativa encontraram acolhida no Brasil, como sua importância é reconhecida e como, em menos de duas décadas, desenvolveu-se, sofisticou-se e veio a constituir fator imprescindível no julgamento e aferição de desempenho das empresas. 

Ao regular o relacionamento entre as partes interessadas, disciplinar o fluxo de informações, identificar e prevenir conflitos assim como prevalecimentos indevidos, a governança corporativa tornou-se o complemento adequado para as empresas que almejam trabalhar em um mercado sadio, aquele onde a ética e integridade predominam, com competição feroz, porém, em ambiente onde a legalidade impera, com entidades reguladoras e fiscalizadoras respeitadas e temidas, dispondo dos meios de acompanhamento e, mesmo, punições necessárias e suficientes.

Não surpreende, portanto, a busca pelo aperfeiçoamento, com destaque para a Instrução 308, da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e o debate ora em curso sobre a reforma do Novo Mercado. 

Só que embora necessárias e bem-vindas - não inibirão as ações e comportamentos que hoje nos estarrecem e humilham, sobretudo, quando se originam na vontade deliberada e urdida de triunfar, progredir de qualquer forma. 

Antes, contudo, de nos alongarmos em comentários sobre a JBS, integrante do Novo Mercado, assim como MMX e OGX, ambas igualmente participantes deste que seria o mais seleto e, portanto, mais apreciado grupo do mercado acionário brasileiro, cabe-nos, por questão de justiça, verdade e amor-próprio enfatizar que carecemos deste pioneirismo nefando. 

São muito recentes fatos gravíssimos, ocorridos em mercados de reconhecida tradição, com empresas de, até então, ilibada reputação. 

Quem desconhece a fraude perpetrada pela Volkswagen, desenvolvendo uma sofisticada fórmula de gerar resultados falsos em testes de emissão de óxido de nitrogênio? “Dispositivos fraudadores”, conforme a empresa reconheceu em seu acordo com autoridades norte-americanas, resultando na mega-multa de US$ 4,3 bilhões! Ou, ainda mais recente: acusações que fundamentam processo aberto pelas mesmas autoridades contra a Fiat Chrysler, a qual, entretanto, as refuta e pretende, segundo declara, “defender-se vigorosamente”? 

E, para não dizer que eram comportamentos restritos às áreas de complexidade tecnológica e exigências questionáveis, o que comentar acerca da notícia - há poucos dias divulgada em veículos da imprensa norte-americana - que, culminando investigações de supostos subornos praticados em diversos países por funcionários da Walmart, esta teria celebrado acordo de pagar multa de US$ 300 milhões, metade do que os investigadores inicialmente exigiam? 

Ou seja, quando existe a intenção de cometer o ilícito não importa se o meio de lográ-lo será através de um sistema de hardwares e softwares de última geração ou o recurso rasteiro à entrega de malas com dinheiro. Ambos decorrem de decisões que emanam de altos escalões e, excetuando-se delações, são de muito difícil percepção, tendendo a se prolongar por longo período de tempo. 

É bem verdade que o aprimoramento de processos e exigências de auditoria interna, sob um ambiente severo de compliance, cujos fundamentos, propósitos e procedimentos são amplamente divulgados na empresa, exigindo a confirmação de conhecimento e formalização da adesão, tem contribuído para desencorajar desvios comportamentais. Entretanto, trata-se na maior parte das vezes, haja vista o histórico de casos identificados, a priori ou a posteriori de sua prática, de desfalques, desvios de material, compras ou vendas fraudulentas, propinas e obtenção de vantagens indevidas, quase sempre implicando em conluio com elementos externos, firmas ou indivíduos. São danosos, sem dúvida, podem alcançar valores vultosos, porém, dificilmente agridem seriamente a reputação das empresas ou o curso normal dos negócios. 

Diferem completamente daqueles procedimentos que integram o Business Policy, a política de negócios da empresa e sua consequente estratégia para o triunfo. 

Portanto, embora convenientes e louváveis, não serão as disposições inclusas na Instrução 308 ou aquelas propostas para a reforma das regras do Novo Mercado que assegurarão práticas e comportamentos íntegros. 

O asseguramento de práticas gerenciais e comportamentos íntegros advirá da postura hábil, arguta, dedicada e vigilante de Conselheiros de Administração e de Analistas de Mercado, por si próprios e por representarem acionistas minoritários. 

Mais do que a assinatura em termos de compromisso, mais do que declarações expressas em formulários, será nas reuniões de Conselhos de Administração e nas entrevistas de Analistas de Mercado com dirigentes de alto nível e acionistas controladores que os questionamentos comandarão esclarecimentos, imporão os comportamentos exigidos e os perímetros de atuação. 

No tocante ao saudável hábito da inquirição, cabe-nos assinalar, até com certa ironia, algo que ocorre em todos os mercados. As falhas, as deficiências, as metas não alcançadas, as ações estratégicas que se viram frustradas, todas, sem exceção, resultam em muito mais indagações, em um número muito maior de pedidos de explicações do que... o sucesso! Será que resultados que superam estimativas, metas que ultrapassam projeções possuem esta faculdade de entorpecimento, de anestesiar a percepção? Claro, perguntas são sempre feitas, mas, o clima desanuviado no qual as respostas fluem, a certeza de ganhos e perspectivas de maiores no futuro tem como corolário a condescendência, estimulando as explicações rasas. 

Assim, sem jamais menosprezar a competência, a dedicação, criatividade e esforços, o sucesso que surpreende requer o escrutínio que tranquilize. 

Mas, outra situação emergiu dos deploráveis fatos recentes e, igualmente, exige atenção por parte de acionistas, controladores e minoritários, neste caso não há diferenças, Conselheiros de Administração independentes e Analistas de Mercado. Investidores institucionais, na sadia busca pelos resultados objetivados, podem, por vezes, compor suas carteiras com ações de empresas do mesmo segmento, algumas em situação de competição direta. Face ao volume detido, muitas vezes se vêem com direito de eleger membro do Conselho de Administração, o qual exercem. 

Resulta que o investidor institucional, por intermédio destes seus representantes nos Conselhos de Administração passa a contar com apreciável conhecimento acerca de planos, gestão e ações estratégicas. É bem verdade que tais Conselheiros são pessoas distintas e, com muita frequência, nem sequer se conhecem. Porem, cumpre-lhes submeter relatórios, apreciações e estimativas que acabam por convergir a um ou poucos gestores do investidor institucional. E como este ou estes se comportarão? Tendo tomado ciência de iniciativas e procedimentos de uma das empresas que, por diversas razões, poderão resultar no enfraquecimento da outra, na perda de fração de mercado, clientes ou percentual de margem, o que devem fazer? Se abster de qualquer orientação a ser dada à empresa que será atingida? Liquidar sua posição em qualquer uma das empresas? Poderá a empresa impedir um investidor de exercer um legítimo direito de eleger Conselheiro caso já tenha eleito Conselheiro em empresa competidora? Poderá a empresa requerer que o investidor institucional voluntariamente abdique de tal direito, nestas situações? E como investidores institucionais lidam com tais situações no âmbito de suas próprias práticas de governança corporativa? 

Enfim, é hábil e oportuna a semântica do português de Portugal. "Para além da Governança Corporativa"... uma estrada a ser trilhada na direção que se apresenta correta, porem, que a cada etapa nos defronta com dilemas e nos exige reflexão e decisões. 

Ruy Flaks Schneider
é Conselheiro de Administração certificado (IBGC), Consultor e Professor do Curso Superior de Defesa, da Escola Superior de Guerra, e da Escola de Guerra Naval. 
ruyschneider@schneidercia.com.br

Luiz Guilherme Dias
é Conselheiro de Administração Certificado (IBGC), CEO da SABE Consultores. 
lg.dias@sabe.com.br


Continua...