APÓS UM TÍMIDO ENSAIO DE RETOMADA DA ECONOMIA, O BRASIL É NOVAMENTE ABALADO POR UMA GRAVE E SÉRIA CRISE POLÍTICA
A economia brasileira dava sinais ainda tímidos de recuperação. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), uma prévia do resultado do Produto Interno Bruto (PIB), teve crescimento de 1,12% de janeiro à março, na comparação com o trimestre anterior. O clima era de otimismo contido, de esperança com alguns receios. No dia 16 de maio, o jornal britânico Financial Times (FT) chegou a publicar um caderno especial com reportagens sobre o Brasil. O conjunto de matérias sinalizava que a recessão estaria chegando ao fim. Entre os destaques: “O Brasil parece estar se movendo de novo” e “Reformas devem encerrar três anos de turbulência e recessão”. O FT ressaltou que a inflação estava em queda, favorecendo o corte da taxa básica de juros, a Selic. E ainda mencionou que nos primeiros quatro meses do ano tinham sido realizadas três ofertas de ações, com destaque para a abertura de capital da companhia aérea Azul.
Porém, após mostrar indícios de céu azul, o horizonte voltou a ficar cinza. A delação dos donos da JBS repercutiu como uma bomba na política e no mercado financeiro. Vieram à tona gravações feitas por um dos sócios da JBS, Joesley Batista, de conversas que teve com o presidente Michel Temer, sobre suposto plano para obstruir a Lava-Jato e também de suposto aval do presidente sobre pagamento de propina para comprar o silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha. Por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, o presidente Temer passou a ser investigado pela Procuradoria Geral da República (PGR) por corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa.
Em uma outra gravação entregue por Joesley Batista à PGR, o senador Aécio Neves (PSDB) pediu R$ 2 milhões ao empresário para pagar despesas com a sua defesa na Operação Lava-Jato. Batista também encaminhou à Procuradoria uma lista de políticos que teriam recebido propinas da JBS nos últimos anos.
Depois das denúncias, em 18 de maio, o Ibovespa caiu 8,8% a 61.597 pontos, a maior queda em quase nove anos, e o dólar subiu 8,15% ante o real a R$ 3,39. Nesse fatídico dia, o Ibovespa chegou a registrar queda drástica de 10,47% e os negócios na bolsa foram interrompidos por 30 minutos pelo circuit breaker. As ações preferenciais da Petrobras recuaram quase 15% e as ordinárias, mais de 10%. Itaú e Bradesco perderam 10% e 13%, respectivamente. As ações de empresas do setor de consumo também tiveram queda expressiva nas cotações. Em contrapartida, ao papéis da Vale permaneceram quase estáveis e os preços das ações das companhias de papel e celulose como Suzano e Fibria subiram 10% aproximadamente.
Segundo analistas, foi um movimento defensivo dos investidores, que apostaram nas empresas exportadoras. Nos dias seguintes, ainda com volatilidade intensa, a bolsa teve um modesto movimento de recuperação – em torno de 63 mil a 64 mil pontos. “Passado o susto inicial, voltou a expectativa dos investidores de que as reformas acontecerão, embora o mercado ainda mantenha uma postura defensiva, com algum nível de incerteza”, explica Roger Oey, especialista sênior em Renda Variável na Bloomberg. Desta forma, o dinheiro foi retornando, com maior fluxo às companhias exportadoras, mas também houve retomada, em menor escala, dos investimentos nas empresas dos setores financeiro e do varejo.
O economista Roberto Teixeira da Costa, ex-presidente da CVM, acredita que o mercado vivencia um movimento de acomodação, após o choque que sofreu com divulgação das gravações de Joesley Batista. “Espera-se a melhor saída para essa fase de transição”, destaca. Apesar da confusão no curto prazo, o combate à corrupção é fundamental. “Esse processo de saneamento ético que estamos atravessando é de grande relevância para o futuro do País”, avalia.
Recentemente, o dólar está se mantendo entre R$ 3,25 a R$ 3,30, cotações atenuadas com as intervenções do Banco Central por meio de swaps cambiais. No entanto, uma saída demorada para esse novo imbróglio político pode fazer com que o dólar suba para uma faixa de R$ 3,50 – não muito mais do que isso porque o BC ainda tem “munição” para agir, analisa Marco Maciel, economista sênior da Bloomberg Intelligence para o Brasil.
Na esfera fiscal, a previsão para 2017 é de um déficit primário de 3% do PIB, segundo a Bloomberg Intelligence. No curto prazo, o governo tem agido na contenção de despesas. “No entanto, no médio e longo prazo, a solução é a reforma da Previdência”, diz Maciel. Ele avalia que a reforma proposta pelo governo poderá gerar uma economia da ordem de 2% do PIB até 2027 ou R$ 800 bilhões acumulados nesse período. Nesse possível cenário de queda do risco da dívida pública e da curva de juros, haveria aumento dos investimentos e consumo, o chamado efeito crowding-in. No entanto, se a reforma da previdência não for aprovada de maneira nenhuma, a dívida bruta tenderia a subir para 95% do PIB em 2027, o que eliminaria as chances de o Brasil recuperar o grau de investimento. “Se não houver uma saída rápida para a crise política, o efeito será negativo sobre câmbio e juros de longo prazo”, ressalta o analista. Possivelmente, um novo mergulho do País em recessão.
Mudança no BNDES - dose adicional de receios
No final de maio último, Maria Silvia Bastos Marques deixou a presidência do BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o que causou inquietação momentânea no mercado. Mas houve acomodação. A análise inicial dos investidores era que a saída de Maria Silvia poderia significar o início de uma debandada da equipe econômica do governo, fundamental para tocar a agenda de reformas. Essa corrente acabou perdendo a força, inclusive em função de declarações do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, sinalizando a continuidade dos projetos.
O fato é que a breve gestão de Maria Silvia foi marcada pela austeridade na concessão de crédito. “O pano de fundo continuará sendo sempre a concessão de empréstimos de forma criteriosa, com economicidade, e à empresas com boas práticas de governança”, disse ela logo que foi empossada no cargo. Como havia noticiado a Revista RI no início deste ano, a mudança na política operacional do BNDES indicava uso mais disciplinado de subsídios e crédito estatal, cruciais para reduzir o risco sistêmico da economia e promover uma tendência de redução na taxa de juros. De acordo com analistas, o BNDES deixaria de ser um competidor “desleal” do mercado de capitais e passaria a atuar como um complemento dele, agiria de maneira pontual nos segmentos que possuem maior impacto e interesse social e nas situações onde o mercado tem dificuldade de financiar.
Agora, a expectativa é saber se a atuação de Paulo Rabello de Castro, novo presidente do BNDES, irá seguir a linha que foi adotada por Maria Silvia ou se terá uma dinâmica diferenciada. Na avaliação de Roberto Teixeira da Costa, ex-presidente da CVM, essa nomeação é favorável. “Paulo Rabello de Castro, certamente, fará uma administração que não será esquecida. Ele também considera positivo o papel do mercado de capitais para o desenvolvimento”, destaca Roberto Teixeira da Costa, ex-presidente da CVM.
Potencial do Mercado de Capitais
O Brasil tem vivido período turbulentos, entretanto, as iniciativas para o fortalecimento do mercado de capitais devem ser contínuas, ressalta Leonardo Pereira, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Sabemos o quanto um mercado de capitais vigoroso pode contribuir para o País em termos de financiamento e suporte ao desenvolvimento socioeconômico”, diz. Ele avalia que com a redução da instabilidade política, será possível sentir uma resposta mais forte do mercado em termos de investimentos e projetos. “Trabalhamos muito nos últimos anos para assegurar isso, fortalecendo as bases de governança e segurança que vão fazer com que essa retomada seja sustentável”, afirma o presidente da CVM.
Para Edmar Lopes, presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), o País está passando por um processo duro, porém, sua governança vem sendo reforçada. “A situação atual traz volatilidade, mas mostra que o Brasil está corrigindo seus problemas. O desafio que temos é criar um mercado de capitais robusto e presente, com mais companhias listadas na bolsa e facilidade de acesso às pequenas e médias empresas a esse tipo de financiamento”, ressalta.
Após uma série de turbulências que impactaram negativamente a reputação de diversas companhias brasileiras, principalmente a operação Lava-Jato que investiga grande esquema de corrupção na Petrobras, o lançamento do Código Brasileiro de Governança Corporativa para Companhias Abertas é considerado uma base importante para atuação corporativa ética e transparente. “Apoiamos esse código assim como a atualização dos segmentos especiais de listagem na bolsa”, afirma Lopes.
O novo Código é resultante de um trabalho conduzido por onze entidades de mercado e contou com a participação da CVM como observadora. O documento é composto por 31 princípios e 54 práticas recomendadas, sendo muitos deles temas caros às Companhias como direito de voto, funcionamento dos órgãos societários e políticas de aquisição. Esse código segue o conceito “Pratique ou Explique”, no qual as companhias abertas deverão aderir obrigatoriamente, mas com a opção de aplicar as normas estabelecidas ou, então, explicar ao mercado o motivo de não as adotar.
De acordo com Marcelo Mesquita, sócio-diretor da gestora Leblon Equities, o Código funciona como um guia que auxilia as empresas a terem boas práticas de governança, sem que precisem pagar elevados valores para consultorias para obterem tais informações. Ou seja, o Código reduz custos e ajuda na atração de investimentos. “O mercado pune quem tem má governança e premia os bons, sem a necessidade de um aparato caro e burocrático para fazer valer essa máxima”, analisa. Por sua vez, ele destaca que a modernização do Novo Mercado se fazia necessária há muito tempo.
Mesquita acredita que com uma estabilização no cenário político e queda dos juros, o mercado acionário avançará. Atualmente, os fundos de ações representam 4% do total dessa indústria, sendo que já tiveram uma fatia de 20% no passado. O Brasil chegou atingir 16% do Índice de Países Emergentes, hoje, representa 8%. “Todos esses indicadores mostram que o potencial de retomada é enorme”, sinaliza. Contudo, o sócio-diretor da Leblon Equities avalia que o excesso de regulamentação é ainda um entrave que precisa ser derrubado. “Tem que ser fácil e barato levantar dinheiro no mercado, pelo lado das empresas e o mesmo deve acontecer para o investidor aplicar seu dinheiro. Hoje não é assim”, destaca. Segundo ele, o caminho deveria ser - menos regulação e mais fiscalização. Mesquita aponta ainda que algumas distorções precisariam ser corrigidas no País, por exemplo, as limitações impostas aos pequenos investidores nos segmentos de Private Equity e Venture Capital. “Diferenciar investidores pela riqueza e não pelo conhecimento é um grande preconceito”, afirma.
Na visão de Mauro Rodrigues da Cunha, presidente executivo da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) o mercado de capitais ainda tem muitos desafios para enfrentar. “As empresas devem garantir que acionistas sejam tratados com equidade – controladores e minoritários. Já os investidores precisam aprofundar-se nas questões de estratégia, governança, ética e contabilidade”, enfatiza. Por sua vez, ele defende que os intermediários devem ter a função de filtrar melhor a qualidade dos ativos oferecidos ao mercado e os órgãos reguladores necessitam de mais recursos para atender às expectativas dos regulados. “Em suma, os participantes do mercado devem cumprir melhor suas funções”, enfatiza. O presidente da Amec considera que o Código Brasileiro de Governança Corporativa provocará reflexão nesse sentido. E ele avalia também que as propostas de mudanças nos segmentos Novo Mercado e Nível 2 da B3, embora modestas, são positivas para aprimoramento da governança. “É a reforma possível, ainda que tenhamos que debater o assunto no futuro”, constata.
Reforma dos segmentos especiais da bolsa
A previsão da B3 é que até meados de julho sairá o resultado da votação das propostas de mudanças nos regulamentos de listagem nos segmentos especiais Novo Mercado e Nível 2. Os votos de cada uma das companhias se tornarão públicos.
Segundo Flavia Mouta, diretora de Regulação de Emissores da B3, foram realizadas muitas pesquisas para a formatação das propostas. “Nenhum segmento especial de listagem que busca trazer regras apropriadas de governança corporativa pode ficar estático. É necessário seguir tendências internacionais, trata-se de um processo evolutivo”, explica.
Equipes de especialistas da bolsa estudaram práticas de governança corporativa na África do Sul, Alemanha, Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Espanha, EUA, França, Hong Kong, Índia, Israel, Japão, México, Nova Zelândia, Peru, Portugal, Reino Unido, Singapura e Suécia. Além disso, foram avaliados os segmentos especiais das bolsas - Australian Securities Exchange (ASX), Hong Kong Stock Exchange, The Nasdaq Stock Market (Nasdaq), The New York Stock Exchange (Nyse) e Toronto Stock Exchange (TSX), assim como, os Códigos de Governança de importantes organismos internacionais, entre eles, o da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Sobre as ações em circulação, a proposta da B3 é que a companhia deve manter o percentual mínimo de 25% do capital social em circulação (free float), como ocorre atualmente, no entanto, haverá a possibilidade de ser de apenas 15%, dependendo do volume financeiro médio de negociação das ações ou da oferta pública. “Ao interagirmos com os investidores, verificamos que eles se importam menos com o percentual e mais com o giro das ações. Por isso, decidimos flexibilizar, mas mantendo a garantia de direitos dos minoritários, endereçando também a questão da liquidez”, afirma Flavia.
Outra medida sugerida é que o Conselho de Administração deverá ser composto por, no mínimo, 20% ou dois - ou o que for maior - de conselheiros independentes. Na prática, isso eleva o número de membros independentes.
Nos casos de deslistagem, para a saída voluntária do Novo Mercado, a empresa deverá realizar uma Oferta Pública de Ações (OPA) a valor justo, com aceitação de um terço dos acionistas titulares de ações em circulação. Basicamente, se adiciona um quorum mínimo para chancelar a saída da empresa do segmento especial.
Flavia Mouta ressalta ainda que está sendo proposto um capítulo novo ao regulamento do Novo Mercado - algo que não existia. A gestão de riscos e os procedimentos de compliance deverão ser obrigatórios. A auditoria interna e o comitê de auditoria terão que assessorar o conselho de administração. Esse capítulo conversa bem com o cenário atual do Brasil, argumenta a diretora da B3.