Para quem há 50 anos acompanha e milita no mercado de capitais e na abertura de empresas e há 35 vem pregando, promovendo e implantando processos de boa Governança Corporativa e participando de Conselhos, confesso que o que temos assistido é desalentador e mostra que mercado de capitais e governança estão na berlinda, neste país.
Se analisarmos as empresas corruptoras e corrompidas, veremos que entre os bandidos de plantão e campeões de audiência criminal – Petrobrás, J&F, Odebrecht, Camargo Correa, OAS etc. – temos empresas de capital aberto, do Novo Mercado, com conselhos de administração, secretarias de conselho, grandes e renomados auditores externos, estruturas de Compliance, comitês de auditoria, códigos de ética etc. Enfim, tudo que se esperaria, no âmbito teórico, técnico, legal e lógico.
A realidade nos mostra, entretanto, que essas empresas passam longe do reconhecimento de que capital aberto, antes de ser uma característica jurídico-societária, deve ser um estado de espírito, um modelo de negócio, uma postura empresarial. Ao contrário, para os 2 “ésleys”, odebrechts e correlatos, abrir o capital nada mais é do que uma forma de obter recursos baratos, de acionistas minoritários, posteriormente desconsiderados e prejudicados sem cerimônia por controladores sem ética, caráter, espírito público, respeito a direitos de terceiros, e qualquer noção de verdadeira legalidade.
Aí, cabem perguntas: o que fazem nessas empresas os membros do conselho? são coniventes, concordam e se calam diante das posturas e desejos inconfessáveis dos controladores? São despreparados para a condição de conselheiro, ainda que personagens notórias, famosas e poderosas? E o que dizer dos auditores que não viram ou não identificaram desvios multibilionários das operações? Ou da CVM que, como xerife do mercado, deveria agir com presteza e dureza absolutas na aplicação da lei e punição aos infratores, mas faz isso, no mínimo, de forma extremamente lenta. E não adianta argumentar que “a justiça tarda, mas não falha”, pois a justiça que tarda, automaticamente falha.
Tudo se insere em dois grandes desvios comportamentais, sistêmicos e legais brasileiros. Para começar, adoramos o “me engana que eu gosto”, a ilusão, o irrealismo, o que nos leva a valorizar mais o visual do que a qualidade, a forma do que o conteúdo, o lúdico do que o sério, o jeitinho do que a solução. Por outro lado, temos arraigado o errôneo conceito de que a lei é relativa, quando deveria ser absoluta. Isto nos leva a considerar a gravidade do crime dependendo de quem o cometeu, o que é verbalizado no clássico “sabe com quem está falando?”, evoluindo até o ilógico foro privilegiado.
Nesse contexto, prejudicados são sempre os acionistas minoritários que vêem o caixa das empresas drenado para pagar advogados, multas, acordos de leniência, e que têm o investimento derretido por perda de valor da companhia , os credores que ficam a ver navios, os clientes que pagam preços maiores, os trabalhadores diante do mercado diminuído, os pagadores de impostos desembolsando cifras absurdas e inócuas, a sociedade, enfim. Enquanto isso, o Estado, os políticos e a parte do poder econômico com eles mancomunado ganham e ficam preservados. Desde sempre, na nossa história, benesses ao rei e aos amigos do rei.
Não surpreende que nosso mercado de capitais não se expanda como seria possível e desejável, em condições normais. Por outro lado, nos primeiros cinco meses do ano, o investimento estrangeiro direto bateu seu recorde, significando que o país continua a ser visto de fora como boa alternativa de médio e longo prazo, a preços atualmente muito convenientes por ativos desvalorizados, operacionalizando isso através de aquisição de empresas.
Dessa forma, passam a ter o controle estratégico, operacional e gerencial, ao invés de serem passivos através de aportes de capital minoritário e distante, onde corram o risco de comportamentos inadequados, inaceitáveis ou mesmo ilegais por parte de alguns controladores locais antiquados e nada confiáveis, conselhos inoperantes, órgãos de controle ineficientes e ineficazes, órgãos reguladores lentos ou lenientes, ou mesmo um poder judiciário geralmente mais processual do que justo.
Não podemos esquecer que empresas ou organizações não praticam desvios de comportamento, caráter, ética e mesmo dinheiro, mas exclusivamente pessoas que as comandam ou representam.
Telmo Schoeler
é fundador e presidente da Orchestra Soluções Empresariais e da Strategos Consultora Empresarial.
strategos.telmo@orchestrasolucoes.com.br