Voz do Mercado

A CVM E O USO DA TECNOLOGIA COMO FORMA DE AMPLIAÇÃO DOS DIREITOS DE INVESTIDORES

Os investidores do Mercado de Capitais têm características próprias e distinguem-se por fatores como contextos social e econômico, grau de escolaridade, faixa etária, países de origem e outros aspectos culturais. Analisar indicadores e buscar compreender os perfis dos investidores do Mercado de Capitais é tarefa importante para mapear e entender o ambiente de investimentos em nosso país, a fim de buscar caminhos regulatórios adequados ao atendimento de demandas específicas e promover o desenvolvimento desse mercado.

De acordo com dados da B3, no primeiro trimestre de 2024, o Brasil registrou 5,1 milhões de CPFs no ambiente de renda variável de ações, nas operações de Bolsa de Valores. Desse total, 1 milhão de pessoas possui idade de até 24 anos. Há uma parcela de 1,3 milhão de investidores entre 39 e 59 anos e 400 mil investidores com 60 anos ou mais. A grande maioria (2,6 milhões) transita na faixa de 25 a 39 anos; ou seja, os nascidos entre 1985 e 1999 e compondo, em boa parte, o chamado grupo dos Millennials, também conhecidos como Geração Y.

Número de Participantes

Os Millennials têm peculiaridades em relação aos investimentos que realizam, pois cresceram em uma era digital e, em geral, estão habituados com os usos da tecnologia. Sendo assim, usualmente têm facilidade de acesso e participação no Mercado de Capitais, por meio de plataformas on-line e aplicativos de investimento. Em comparação com gerações anteriores, os Millennials têm o costume de valorizar o potencial de crescimento e estão dispostos a assumir nível de risco mais elevado. Por conta disso, estudos apontam que tal geração é mais propensa a investir em ações e demais ativos de renda variável.

Há uma tendência entre os Millenials de considerar fatores ambientais, sociais e de governança ao analisar e selecionar ativos financeiros, adicionalmente aos parâmetros tradicionais em análises de oportunidades de investimento, que são aqueles associados à expectativa de rentabilidade e à perspectiva de valorização dos investimentos. Sendo assim, esse grupo de pessoas tem maior propensão a investir em empresas que demonstram práticas sustentáveis e responsabilidade social. Sabe-se, também, que essa geração valoriza a educação financeira, estando disposta a aprender sobre as melhores práticas, por meio de pesquisas e análises prévias à tomada de investimento.

Essa breve análise focada nos investidores que, numericamente, são a maior parcela do contingente de investidores em Bolsa de Valores no Brasil é útil para observar algumas características relevantes relacionadas ao segmento regulado pela CVM: (i) a pertinência de o cidadão conhecer o seu perfil de investimento; (ii) as possibilidades geradas pela Economia Sustentável; (iii) a educação financeira como base de pavimentação; e (iv) a importância da tecnologia no ambiente do Mercado de Capitais.

Atenta a essas e a demais características, a CVM tem se pautado por uma Agenda Desenvolvimentista. A Autarquia entende que o Mercado de Capitais é um celeiro de oportunidades para todas as gerações, seja em temáticas relacionadas às novas tendências globais como as Finanças Sustentáveis e as Finanças Digitais, seja em assuntos que, tradicionalmente, impulsionam o Mercado de Capitais no Brasil e que continuam sendo a locomotiva do segmento, tais como as Companhias Abertas, os Fundos de Investimento e os produtos da Securitização.

Em junho de 2024, a CVM deu mais um passo firme no movimento de democratização do Mercado de Capitais. O uso da tecnologia como ferramenta de ampliação de direitos dos investidores foi o destaque para a edição da Resolução CVM 204, que alterou a Resolução CVM 81 e trouxe inovações relacionadas a assembleias de acionistas de companhias abertas.

O normativo da CVM promoveu aprimoramentos nas regras em vigor, buscando tornar o processo mais efetivo e menos oneroso para os participantes envolvidos. As mudanças prestigiam, também, o atendimento a antigas demandas de investidores estrangeiros, que buscavam esta simplificação e modernização em relação à forma de votação e participação nas assembleias. A CVM refletiu, na Resolução 204, as experiências práticas observadas nos últimos anos e, ao mesmo tempo, as lições disponíveis nos melhores padrões internacionais sobre assembleias, sejam elas digitais, híbridas ou tradicionais.

De forma resumida, podemos dizer que as principais alterações trazidas pela Resolução CVM 204 foram:

  • estabelecer o uso do boletim de voto a distância (BVD) para todas as assembleias de acionistas das companhias, com antecedência mínima de 21 dias.
  • reduzir o prazo de antecedência para o envio do BVD pelo acionista, passando de 7 para 4 dias antes da assembleia, com nova opção de envio direto por meio do depositário central, mantendo as alternativas de envio direto à companhia, ao custodiante ou ao escriturador.
  • reconhecer que a sede da companhia deve ser o principal local de condução dos trabalhos assembleares, sendo este o local de geração de sons e imagens de assembleias parcialmente digitais, mas facultar às companhias a possibilidade de disponibilização de um ou mais locais físicos acessórios, inclusive em município diverso daquele da sede, de modo a que acionistas possam comparecer presencialmente para participar da assembleia.
  • tornar sem efeito os pedidos de instalação do conselho fiscal e de instauração do processo de voto múltiplo formulados por meio do BVD, se não houver indicação de candidatos pelos acionistas minoritários.
  • dispensar o uso do BVD nas assembleias de companhias listadas em que há baixa adesão dos acionistas (inferior a 0,5% do capital votante representado pelo BVD).

A CVM ampliou a possibilidade de votação a distância, no mesmo contexto em que simplificou os mecanismos para que os acionistas possam participar das assembleias, presencialmente ou a distância, encorajando, portanto, a pluralidade dos acionistas a exercerem os seus respectivos direitos nas companhias.

A Resolução CVM 204 foi, também, mais um exemplo de norma construída a partir de um movimento de escuta ativa e diálogo franco com o Mercado e a sociedade. Em relação à versão que recebeu comentários do público, as principais alterações providenciadas pela CVM se relacionam com:

  • prazos para apresentação do boletim: 21 dias para assembleias gerais extraordinárias, ressalvados os casos específicos e excepcionais;
  • prazo para reapresentação do boletim pela companhia: até 20 dias para a inclusão de candidatos (conselho de administração e conselho fiscal);
  • inclusão de percentual mínimo para dispensa da disponibilização do boletim: permissão para a dispensa caso a companhia tenha recebido votos correspondentes a ações representativas de menos de 0,5% do capital social;
  • mapas de votação: nova sistematização de produção e disponibilização dos mapas de votação;
  • votação em propostas alternativas: exclusão da previsão de que acionistas poderiam, por meio do boletim, acompanhar a deliberação tomada pela maioria dos presentes, em caso de alteração da proposta da administração para um dos itens da pauta da assembleia; e
  • regras de participação: exigência da presença do presidente da mesa, do secretário e de ao menos um administrador quando a assembleia for presencial ou híbrida.

Conhecer os públicos que se relacionam com o Mercado de Capitais e entender questões que podem ser objeto de aprimoramento, a partir de análises bem estruturadas, são ações essenciais para fomentar o desenvolvimento do Mercado de Capitais. Adicionalmente, é um caminho sem volta a percepção de que a tecnologia pode – e deve – ser utilizada a favor de temáticas diversas no Mercado de Capitais, no Direito Societário e, inclusive, naquelas relacionadas à governança corporativa e à ampliação de horizontes dos direitos dos investidores.

João Pedro Nascimento
é presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
joao.pedro@cvm.gov.br


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