Em 1980, quando ingressei no curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina, o acesso à informação era limitado e hierarquicamente controlado. Naquela época, minhas fontes de conhecimento eram os professores e os livros da biblioteca universitária. Estes livros, geralmente, eram os mesmos que os professores conheciam e recomendavam. A transmissão de conhecimento seguia um fluxo unidirecional: dos mais velhos para os mais novos, dos pais para os filhos, dos professores para os alunos, dos autores para os leitores.
Ainda na universidade, fui introduzido aos BBS (Bulletin Board Systems), uma tecnologia revolucionária para a época. Através dos BBS, era possível acessar fóruns públicos, ler notícias e trocar arquivos com outros usuários, predominantemente do meio acadêmico. Esta rede primitiva de comunicação digital representou um avanço significativo, pois permitia o compartilhamento de informações fora dos limites físicos das universidades, das bibliotecas e das aulas presenciais.
Os BBS marcaram o início de uma democratização da informação. Porém, o verdadeiro tsunami informacional veio com a popularização da internet. Quando o público geral teve acesso à internet, a informação, antes restrita e hierarquicamente controlada, tornou-se acessível a todos. A internet não só democratizou o conhecimento, mas também transformou a informação em algo abundante e facilmente disponível.
Os jovens foram os primeiros a perceber e aproveitar as vantagens do acesso abundante à informação. Em um dos mais célebres episódios dos primórdios da internet, que demonstra a mudança da hierarquia etária vigente, destaca-se a negociação de dois jovens de pouco mais de 20 anos, Bill Gates e Paul Allen, fundadores da Microsoft, então uma pequena empresa de software, que conseguiram um acordo extremamente vantajoso, que mudou a história da computação e do nosso tempo, frente à centenária e então ultrapoderosa IBM.
Este novo paradigma rompeu o velho sistema etário hierárquico que governou a sociedade por séculos. Não eram mais apenas os pais, professores, as editoras e a imprensa estruturada que detinham o poder sobre o conhecimento. A internet nivelou o campo de jogo, permitindo que qualquer pessoa, independentemente de idade ou posição social, tivesse acesso à informação.
No princípio, parecia que a internet teria um impacto para a geração de conhecimento, maior e melhor que a invenção da prensa tipográfica por Gutenberg, que, em meados do século 15, revolucionou a história ao permitir a produção em massa de livros, tornando a informação mais acessível e barata. A prensa permitiu o surgimento da imprensa que ampliou a alfabetização, facilitou a disseminação de ideias científicas, impulsionou a cultura e a economia e estabeleceu as bases para o mundo moderno.
Sim, é verdade, a internet e todas as mudanças que se seguiram fazem com que seja até difícil para um jovem, como meus filhos, por exemplo, imaginar o que era o mundo no início dos anos 1980, quando entrei na universidade. Eu mesmo frequentemente fico admirado como conseguia viver em um mundo sem celular, GPS e computadores. Mas será que o conhecimento realmente deu o esperado salto? Será que o mundo se tornou realmente muito mais inteligente? Essas perguntas há muito tempo vinham ressoando na minha cabeça.
Recentemente, li uma postagem da excelente jornalista Rosana Hermann em uma rede social que me deixou completamente atordoado. Em poucas frases, ela conseguiu descrever um sentimento que eu tinha e não conseguia verbalizar.
Segundo ela, vivemos em uma época de comunicação “Nugget”, e aqui vou apenas transcrever o que ela publicou para não perder a força da mensagem: “Um Nugget é um tweet, uma frase, um meme, uma imagem, um corte de podcast. A informação, como a galinha, é moída, processada numa massa, depois fragmentada, empanada, frita e vira um Nugget. Não diferenciamos mais o que é peito, asa ou coxa, nem o que é verdade, mentira. Nem se estamos sendo informados ou sendo feitos de trouxa. Vivemos assim, engolindo Nuggets, verdades e mentiras moídas juntas, empanadas e fritas para consumo imediato. Informação processada para comer com a mão.”.
Eram alunos viciados em nuggets de pretenso conhecimento que eu encontrava em sala de aula; agora são pessoas ansiosas por nuggets de conhecimento que encontro nas redes sociais. São pessoas que expelem informações em nuggets que têm sucesso nas rodas de conversa, nos discursos políticos ou nas redes sociais, independentemente da qualidade e veracidade das informações. Textos mais longos e profundos, discursos, aulas, vídeos mais elaborados, informações que levem à reflexão são rejeitados na constante busca por dicas, por informações que não dêem trabalho para serem consumidas.
Como fatos e opiniões, verdades e mentiras são processados, moídos e empanados para consumo rápido, perde-se o contexto e as nuances cruciais para uma compreensão completa e acurada dos eventos. Isso cria um ambiente onde é difícil discernir a realidade, e onde a desinformação se espalha rapidamente. Estamos vivendo em uma sociedade inundada por informação, e a maioria dos indivíduos sofre de grave deficiência de conhecimento.
Onde a comunicação Nugget tristemente parece ter mais impacto é na política. Qualquer político que não dê explicações simples, mesmo que erradas, para problemas complexos, tem enorme dificuldade para angariar votos. Assim, temos um campo fértil para os populistas radicais de direita ou de esquerda. Qual o problema do país? Imigrantes são o problema! Se expulsarmos todos os imigrantes, a América será grande novamente. Sem imigrantes, a França vai recuperar sua glória de outrora. Qual o problema do Brasil? O STF, o presidente do Banco Central, a ganância dos banqueiros. Qualquer explicação simples, qualquer bode expiatório vale, só o que não vale é explicação complexa. Ninguém quer a galinha cheia de pele, miúdos e ossos, só vale o Nugget.
Além da política, a comunicação Nugget vem afetando diversas áreas da sociedade. Médicos e nutricionistas sérios perdem espaço para charlatões. Acadêmicos são substituídos por influencers. Os produtores de conhecimento são substituídos por geradores de conteúdo.
No mercado financeiro e na educação financeira, minhas áreas de atuação, os vendedores de soluções milagrosas, os produtores de “dicas”, têm milhões de seguidores, em detrimento de quem tem formação e conhecimento. Isso foi muito bem demonstrado em uma pesquisa publicada recentemente pelo Swiss Finance Institute. No artigo, os pesquisadores Ali Kakhbod (Berkeley), Seyed Kazempour (Rice University), Dmitry Livdan (Berkeley) e Norman Schürhoff (University of Lausanne) demonstraram que existe uma relação inversa entre o número de seguidores dos influenciadores financeiros (finfluencers) e suas habilidades.
Assim como presenciei animado a popularização da internet, hoje vejo a Inteligência Artificial chegando ao grande público. Estamos novamente em um ponto de virada civilizatório; se bem utilizada, a IA pode transformar para melhor a nossa sociedade e nossas vidas. No entanto, seu potencial de danos é enorme. Por uma questão de atitude frente à vida, sou muito otimista, porém, pelos anos que já vivi, meu ânimo com a IA é mais cauteloso do que foi em relação à internet.
A chef de cozinha, escritora, empresária e apresentadora de programas de culinária, Rita Lobo, vem travando uma enorme batalha contra os ultraprocessados, contra os Nuggets alimentares e em favor da comida de verdade. Está na hora de travarmos uma luta contra a comunicação Nugget, em favor do conhecimento verdadeiro, pois assim como os alimentos ultraprocessados destroem a saúde física, a informação que desinforma pode destruir a “cola social” fundamental para a unidade e a estabilidade de uma sociedade.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br