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RESOLUÇÃO CVM 214: OPORTUNIDADES DO AGRONEGÓCIO NO MERCADO DE CAPITAIS

O Agronegócio representa, aproximadamente, 25% do PIB nacional. Este número é expressivo, ainda mais se comparado à representatividade do segmento junto ao Mercado de Capitais: 5%. Desta lacuna, surgem oportunidades para estimular o financiamento privado, com benefícios recíprocos tanto para o Agronegócio, que pode captar recursos em termos e condições mais vantajosos do que aqueles usualmente disponíveis no mercado financeiro tradicional, quanto para o Mercado de Capitais, que identifica no segmento do Agronegócio uma promissora fronteira para expansão e crescimento.

Neste contexto, os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (“FIAGROs”) podem desempenhar importante papel: aproximar o Agronegócio e Mercado de Capitais de maneira ampla e diferenciada. Bem estruturados, os FIAGROs tendem a complementar e gerar amplitude às iniciativas de captação de recursos viabilizadas, inicialmente, por CRAs – Certificados de Recebíveis do Agronegócio, CPRs - Cédula de Produto Rural, CDCAs - Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio e demais títulos comumente associados à securitização.

Os FIAGROs foram introduzidos no Brasil pela Lei nº 14.130/2021, prontamente regulamentada, de forma experimental, pela Resolução CVM nº 39/2021. Inicialmente, o regime experimental limitava os FIAGROs aos formatos (i) FIAGROs-FIDC; (ii) FIAGROs-FII; e (iii) FIAGROs-FIP, sendo que cada uma destas modalidades se valia da regência supletiva pelas regras aplicáveis respectivamente às categorias dos FIDCs, dos FIIs e dos FIPs.

Rapidamente, tendo em vista as janelas de oportunidades observadas por ofertantes e investidores, os FIAGROs cresceram e se firmaram na indústria de fundos de investimento do Brasil. Conforme informações do Boletim CVM do Agronegócio, com a data-base de Junho/24, o patrimônio líquido dos FIAGROs alcançou cerca de R$37 bilhões, distribuídos entre 115 (cento e quinze) fundos, sendo 12 (doze) destes fundos detentores de mais de 15 (quinze mil) cotistas.

Os aprendizados colhidos durante quase 3 (três) anos de experiência regulatória experimental com os FIAGROs, permitiram à CVM aprofundar conhecimentos e reflexões sobre o tema. O resultado: a Resolução CVM nº 214/2024, publicada pela Autarquia, em 30 de setembro de 2024, com a expectativa de ser um “divisor de águas” para o Agronegócio nacional.

A Resolução CVM nº 214/2024 é uma regra completa e moderna para os FIAGROs, inserida como o Anexo VI do Marco Regulatório dos Fundos de Investimento (consolidado na Resolução CVM nº 175/2022). A nova norma estabelece padrões de conduta, regras de transparência e exigências de governança aplicáveis aos FIAGRO, que visam proteger os investidores que desejarem aportar seus recursos nesta categoria de fundo de investimento. Complementando o Anexo VI, os Suplementos O, P e Q tratam do conteúdo do informe mensal, da lâmina de informações básicas e do informe anual do FIAGRO.

Na regra definitiva dos FIAGROs a CVM optou, estrategicamente, por não regulamentar a amplitude da definição de “cadeias produtivas agroindustriais”, valendo-se de lições decorrentes da evolução dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e dos Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCAs), criados pela Lei nº 11.076/2004. O alcance da utilização daqueles títulos decorreu, sobretudo, da visão abrangente e integrada da atividade do agronegócio. Tornou-se clara a importância de se distinguir as atividades “antes”, “dentro” e “após” a “porteira”, para que esses instrumentos não ficassem restritos à produção rural, já atendida pela Cédula de Produto Rural (CPR).

Importante destacar que a Lei nº 11.076/2004 identifica essas atividades como “produção”, “comercialização”, “industrialização” e “beneficiamento”, e prevê cada um dos produtos e subprodutos, sendo que esta abordagem pode também ser empregada nos FIAGROs.

O novo regramento editado pela CVM confere ainda mais dinamismo e flexibilidade para a construção de estratégias de investimento, com destaque à possibilidade de os FIAGROs, de forma ampla e transversal, terem exposição a diferentes fatores de risco, de acordo com a política de investimento do fundo. Estes FIAGROs foram, informalmente, batizados de FIAGROs “Multimercado”.

Enquanto a Resolução CVM nº 39/2021 subdividia o FIAGRO conforme a classe dos ativos dentro das já citadas categorias dos FIAGROs-FIDC, FIAGROs-FII e FIAGROs-FIP, a Resolução CVM nº 214/2024) passou a permitir a combinação de ativos de diferentes categorias em um mesmo fundo. Ou seja, a regra definitiva dos FIAGROs deu amplitude à possibilidade de os FIAGROs possuírem em sua carteira ativos típicos de demais categorias de fundos, desde que suas políticas de investimento permaneçam voltadas às cadeias produtivas do Agronegócio.

Na medida em que se pode, em um só FIAGRO, investir em ativos destinados a mais de uma das já citadas categorias dos FIAGROs-FIDC, FIAGROs-FII e FIAGROs-FIP (exemplo: créditos, direitos reais sobre imóveis e participações societárias), surge a questão de qual deve ser o regime normativo a ser observado, até para se manter a consistência do Marco Regulatório dos Fundos de Investimento e não estimular arbitragens regulatórias. Se a política de investimento da classe admitir a aplicação de mais de 50% do patrimônio líquido do fundo em ativos próprios de outra categoria de fundo de investimento, haverá incidência subsidiária das normas dessa categoria. Quando da Consulta Pública aberta pela CVM para ouvir os participantes do Mercado, esse parâmetro estava direcionado para 1/3. Diversos apontamentos realizados pelos respondentes da Consulta Pública indicavam que o referido parâmetro gerava um cenário teórico (e desafiador) da observância simultânea de três conjuntos de normas, com previsões conflitantes, em alguns casos. Mais uma vez, prevaleceu o diálogo, a escuta ativa e a máxima de que norma pública bem-feita é aquela idealizada junto à sociedade, a partir das mais variadas opiniões. A CVM acatou sugestões e a versão final da Resolução previu que, se um ativo for enquadrável na norma aplicável à categoria de mais de uma categoria de fundo, o regulamento deve indicar expressamente a categoria de fundo cuja norma será aplicável.

Sendo assim, haverá duas situações em que, na política de investimento, as regras do Anexo Normativo VI prevalecerão, em princípio:

  • se o FIAGRO previr investimento em mais de 50% de seu patrimônio em ativos próprios de outra categoria de fundo de investimento; e houver conflito entre as regras do Anexo Normativo VI e as normas de outra categoria de fundo; ou
  • se o FIAGRO não previr investimento em mais de 50% de seu patrimônio em ativos próprios de outra categoria de fundo de investimento.

Contemporânea, a Resolução CVM nº 214/2024 tem o mérito de também estreitar os laços do Agronegócio com a sustentabilidade, compreendendo que os FIAGROs podem ser relevantes veículos nas Finanças Sustentáveis e na Economia Verde. A regra traz poderes aos FIAGROs neste sentido e, ao mesmo tempo, atribui responsabilidades, pois espera-se diligência rigorosa na verificação da existência, integridade e titularidade desses créditos.

Sendo assim, no âmbito do mercado de carbono, será permitido aos FIAGROs investir em créditos de carbono do Agronegócio, definidos como “títulos representativos da efetiva redução da emissão ou da remoção de gases do efeito-estufa da atmosfera, nos termos da legislação e regulamentação específicas, originados no âmbito das atividades das cadeias produtivas do Agronegócio”.

Além destes créditos, outra inovação foi a inclusão de CBIOs, títulos financeiros negociáveis que representam a redução de emissões de gases de efeito estufa no setor de combustíveis, emitidos por produtores ou importadores de biocombustíveis como parte do programa RenovaBio.

É possível afirmar que, pelos diversos ângulos em que se examine a regra definitiva, o que se observa é um movimento para ampliar a capacidade de investimentos desses veículos, viabilizando a aquisição, no mesmo fundo, de:

  • direitos reais sobre imóveis rurais, com a ampliação do conceito de “imóvel rural” para incluir também imóveis localizados em áreas urbanas, desde que destinados à exploração de atividades vinculadas às cadeias produtivas do Agronegócio (não se limitante apenas àqueles imóveis que possuam Certificado de Cadastro de Imóvel Rural);
  • participações em sociedades que explorem atividades integrantes das cadeias produtivas do Agronegócio; 
  • Ativos financeiros, títulos de crédito, certificados de recebíveis e valores mobiliários emitidos por pessoas naturais e jurídicas que integrem as cadeias produtivas do Agronegócio; 
  • Direitos creditórios do Agronegócio e direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais; 
  • CRAs, CDCAs e outros títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do Agronegócio;
  • CRIs e outros títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios relativos a imóveis rurais; 
  • Cotas de classes que apliquem mais de 50% de seu patrimônio líquido nos ativos acima listados, o que inclui cotas de outros FIAGRO, mas não se limita a essa categoria de fundos; e/ou 
  • Créditos de carbono do Agronegócio e CBIO.

O Anexo VI do Marco Regulatório dos Fundos de com a regra definitiva dos FIAGROs entra em vigor em 3/3/2025. Ressalta-se que, aqueles fundos já em funcionamento, deverão se adaptar à nova regulamentação até 30/9/2025.

A nova regulamentação dos FIAGROs visa a consolidar o lugar do Agronegócio no Mercado de Capitais, tornando-o um produto de investimento atrativo e acessível, contribuindo para o desenvolvimento desse segmento tão fundamental para a economia do Brasil. Estamos, sim, diante de mais uma janela de oportunidades.

João Pedro Nascimento
é presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
joao.pedro@cvm.gov.br


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