Considerando que o desempenho referente à governança ambiental, social e corporativa (ESG) torna-se cada vez mais um valor tangível para o diagnóstico e avaliação de riscos, para a competitividade nos distintos mercados e no processo de tomada de decisão dos gestores e acionistas, são necessárias métricas precisas das práticas de caráter socioambiental, que devem ser mensuráveis e auditáveis. Para isso, surgem instrumentos, como as duas primeiras normas de sustentabilidade no âmbito das International Financial Reporting Standards (IFRS), padrão contábil global, ao qual o Brasil é aderente: a IFRS S1 e IFRS S2, instituídas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB).
A IFRS S1 estabelece requisitos de comunicação voltados a possibilitar que as empresas reportem os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade que enfrentam no curto, médio e longo prazos. A IFRS S2, projetada para ser aplicada junto com a primeira, institui divulgações específicas referentes as questões climáticas e seu potencial efeito sobre o fluxo de caixa operacional das empresas em cenários de estresse de resiliência climáticas. Ambas criam uma linguagem comum para reportar o efeito dos riscos e oportunidades relacionados ao tema e às responsabilidades socioambientais. O ágil processo de convergência das duas normas, que acaba de ser objeto de audiência pública, num trabalho do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), torna nosso país protagonista na agenda de sustentabilidade mundial ao ser o primeiro a adotá-las.
Outro avanço é a Resolução 193/2023 da Comissão de Valores Mobiliário (CVM), que estabeleceu a adoção de indicadores claros e comparáveis referentes às práticas sustentáveis de empresas que acessam o mercado de capitais. A medida prevê que, já neste ano de 2024, companhias abertas, fundos de investimento e securitizadoras poderão, em caráter voluntário, publicar relatório anual especial com informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, com indicadores e métricas comparáveis. O documento seguirá as normas do CBPS 1 e CBPS 2 (equivalentes às IFRS S1 e S2). A publicação será obrigatória para as companhias abertas para o ano-calendário que se iniciará a partir de 1º de janeiro de 2026.
A CVM pretende incentivar que o maior número de companhias adote, de forma antecipada e voluntária, o padrão global para os relatórios a fim de que todos possam aprender de forma conjunta e colaborativa. Essa agenda é uma oportunidade única para o País, do ponto de vista da transformação real para a sociedade e de atratividade de investimento. O Brasil está caminhando para se tornar, de fato, o “pulmão do mundo” (principalmente quando falamos do mercado de créditos de carbono) e é importante que os auditores independentes estejam preparados.
Nesse novo cenário, a Auditoria Independente deve assumir papel significativo, pois a asseguração dos relatos referentes a ESG é necessária para reforçar sua credibilidade, contribuir para que as empresas atendam às crescentes exigências regulatórias e avaliar se as informações estão apresentadas em conformidade com as novas normas e que correspondem às ações efetivamente concretas. Ao serem reportados de modo padronizado e auditáveis, os dados sobre sustentabilidade permitirão separar com clareza os meros discursos de marketing das medidas e ações efetivas nas áreas social e ambiental (evitando-se assim o greenwashing).
Aos olhos dos investidores e dos stakeholders, não apenas de companhias abertas, os avanços referentes às duas novas normas são muito relevantes, pois eles passarão a receber com mais clareza uma combinação de informações financeiras e não financeiras importantes para a tomada de decisão. É um arcabouço de divulgações que até então os usuários não tinham, porque não era um requerimento normativo. Agora, eles ganham uma ferramenta para identificar como as empresas fazem a administração dos riscos e oportunidades relacionadas à agenda da sustentabilidade combinado com as demonstrações financeiras que já são divulgadas.
Um exemplo prático pode ser encontrado na tragédia climática que atingiu o Rio Grande do Sul, com irreparáveis perdas de vidas e imensos danos econômicos e materiais. Nesse contexto, imaginemos uma companhia que mantenha a maior parte do fornecimento das suas matérias-primas ou dos seus produtos acabados numa localidade atingida pelas enchentes. Num caso como esse, o que a norma objetiva é que se incluam no arcabouço das divulgações as possíveis consequências dos desastres climáticos, aconteçam ou não, e quais os potenciais impactos nos fluxos de caixa operacional da empresa na eventualidade de ocorrência. Ou seja, não se trata de contabilizar, mas de reportar cenários de estresse e resiliência climática.
O benefício, na ótica do usuário dos relatórios, é que ele passa a dispor de uma integração de outras informações, além das financeiras. Todas essas questões ficarão cada vez mais tangíveis à medida que forem surgindo normas que abordem o talento, direitos humanos, aspectos de ecossistema e biodiversidade e a escassez de água e outros recursos naturais (normas essas que estarão sendo debatidas e emitidas pelo ISSB nos próximos anos). Muitos fatores passarão a ser paulatinamente divulgados.
Com as informações previstas nas normas, os investidores conhecerão de modo mais claro as condições das organizações nas quais estão colocando o seu dinheiro. Saberão se elas têm ou não um plano B, C ou D para manter suas operações e entregas caso ocorra algum desastre que as afete diretamente ou atinja seus fornecedores de insumos e matérias-primas na cadeia de suprimentos. São informações relevantes, pois a ausência de estratégias de contingenciamento impacta o fluxo de caixa e os resultados financeiros, caso aconteça uma enchente, seca ou qualquer outro incidente climático.
A necessidade de assertividade de todas essas informações evidencia o papel do auditor independente, inclusive para identificar se uma empresa está fazendo greenwashing, ou seja, realizando divulgações não condizentes com ações concretas. Na imprescindível asseguração dos dados de sustentabilidade, que será obrigatória a partir de 2026, o profissional não chancelará o relatório de uma companhia aberta se houver menção de qualquer prática não correspondente à realidade.
Fica muito clara a diferença entre os atuais relatórios de sustentabilidade e o que as novas normas prescrevem. Há críticas a esses reportes porque costumam conter somente aspectos positivos. Mas, as empresas terão de passar a prestar contas daquilo que não realizam no campo da sustentabilidade e do contingenciamento de riscos. Obviamente, o auditor não concordará se elas não divulgarem o que não fazem e por que não fazem, bem como se reportarem quaisquer informações desprovidas de respaldo em iniciativas e ações concretas. Cabe relatar inclusive as ameaças à reputação e à imagem inerentes à eventual negligência com a agenda de ESG. Tudo isso será objeto de ressalvas nos relatórios de auditoria.
Embora as companhias abertas, conforme a Resolução 193/2023 da CVM, anteriormente citada, somente sejam obrigadas a publicar relatório anual baseado nas normas IFRS S1 e S2 em 2026, é muito recomendável que antecipem essa prática de divulgação. Os ganhos seriam significativos como um diferencial competitivo, revelando uma estrutura robusta de governança corporativa e bons processos e controles internos e passando assim mais confiança aos investidores.
Há de se considerar, também, que as companhias abertas não devem ficar relutantes com a divulgação de informações de sustentabilidade, temerosas de que, se eventualmente reportarem de modo equivocado, poderão sofrer sanções. Neste primeiro momento, a CVM demonstra não fomentar um viés punitivo, mas sim incentivar a transparência e a clareza das informações. É óbvio que nesse contexto não se enquadram os casos comprovados de greenwashing.
As responsabilidades e o papel dos profissionais da contabilidade e auditores independentes ficam muito claros nesse novo cenário referente às divulgações das iniciativas de ESG. A categoria deve estar muito preparada para cumprir a relevante missão, o que evidencia o significado do Programa de Educação Continuada do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), do qual o Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil participa como provedor de consistente grade de cursos.
Também é importante a participação em congressos, seminários e eventos nos quais se difunde conhecimento. É o caso da ESG Week, que será realizada pelo Ibracon de 26 de agosto a 5 de setembro. Objetivo é justamente prover atualização nesse tema, estimulando os profissionais da área a serem agentes de mudança e contribuírem, com a preparação e asseguração de excelência dos reportes de sustentabilidade, para que o Brasil, com forte engajamento do universo empresarial, seja protagonista na agenda do clima e da inclusão socioeconômica.
Sebastian Soares
é o presidente do Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil.
ibracon@ibracon.com.br