De acordo com o IBGE, em 2010, o Brasil contava com 19 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Agora, em 2023, esse número já ultrapassa os 37 milhões, e a tendência é continuar crescendo. Estima-se que, até 2050, 1 em cada 3 brasileiros será idoso.
“A velhice não é tão ruim quando você considera a alternativa”, a frase atribuída ao humorista francês Maurice Chevalier, encapsula uma realidade que muitos de nós preferimos ignorar. Viver muito é uma dádiva, mas traz desafios.
Precisamos cuidar da nossa saúde, dos nossos relacionamentos e da nossa capacidade de adaptação a um mundo em constante mudança. Com boa saúde, bons relacionamentos familiares e de amizade, e uma maior capacidade de adaptação, será mais fácil enfrentar o deserto da velhice. Abordamos esse tema no livro “4 Dimensões de uma Vida em Equilíbrio”, que escrevemos com Denise Hills.
Além desses aspectos, é fundamental cuidar dos nossos recursos financeiros. Contudo, segundo a sétima pesquisa “Raio X do Investidor Brasileiro”, da ANBIMA, apenas 32% das pessoas das classes A e B já começaram a fazer uma reserva para a aposentadoria, o que não significa que estejam poupando o suficiente.
Estamos caminhando para uma sociedade envelhecida. Provavelmente viveremos muito, mas não estamos nos preparando adequadamente. O planejamento financeiro para a aposentadoria é uma tarefa desafiadora e exige esforço contínuo ao longo da vida.
Como pioneiros da área de planejamento financeiro no Brasil, há algumas décadas buscamos alertar para a importância de as pessoas efetivamente se dedicarem à formação de uma poupança de longo prazo para a longevidade. Porém, precisamos ser realistas: muitas pessoas chegarão à velhice sem reservas ou com reservas inferiores às suas reais necessidades.
Estamos vivendo vidas mais longas. A expectativa de vida ao nascer saiu de 48,5 anos em 1950 para 75,8 anos em 2020, um ganho de 27 anos e 4 meses, embora grande parte disso se deva à redução da mortalidade infantil. No entanto, o que mais interessa em relação à aposentadoria é a expectativa de vida aos 60 anos. Nesse período, o ganho foi de 8 anos, e continua a aumentar. Metade das mulheres que chegam aos 60 anos viverá até os 84, e metade dos homens viverá até os 80. No entanto, a outra metade ultrapassará essas idades. Estima-se que cerca de 31% das mulheres e quase 20% dos homens que superaram os 60 anos chegarão aos 90 anos.
Costumamos brincar que só existem dois erros financeiros possíveis na vida: poupar muito e viver pouco, ou poupar pouco e viver muito. Com o aumento da expectativa de vida, o segundo erro se torna cada vez mais provável. Assim, surge a dúvida: por quanto tempo nossas reservas precisarão durar?
Para nos ajudar na tarefa de nos preparar para a longevidade, é necessário que surjam serviços financeiros cada vez mais sofisticados que nos ajudem a proteger contra o risco de viver muito.
Nós dois já temos filhos independentes, então o risco de morte, que era coberto por seguros de vida quando tínhamos dependentes, já não é tão relevante. Agora, nossas preocupações se voltam para o risco de sobrevida — ou seja, uma vida muito mais longa que a média — para o qual ainda existem poucas alternativas de proteção.
Certamente, o risco de morte é um conceito familiar, mas o risco de vida longa é algo relativamente novo e que impactará cada vez mais nossa sociedade. O risco de vida longa refere-se à possibilidade de viver mais do que nossas reservas financeiras para a aposentadoria.
De acordo com o Estudo Anual de Aposentadoria da seguradora Allianz de 2024, 63% dos americanos disseram que se preocupam mais com a falta de dinheiro do que com a morte. No Brasil, esse número provavelmente é ainda maior. Isso nos ajuda a entender o que é o risco de vida longa: a chance de sobreviver às suas reservas financeiras para a aposentadoria.
Criar seguros que gerem uma renda para quem superar uma determinada idade, ou seja, um seguro de sobrevida, é uma grande necessidade e, portanto, uma grande oportunidade para a indústria de seguros.
O seguro de vida tradicional paga um valor aos beneficiários quando o titular falece. Em contrapartida, o seguro de sobrevida é acionado quando o segurado atinge uma idade específica, como 85 anos. Esse tipo de seguro pode ser pago em uma única quantia ou na forma de uma renda vitalícia, proporcionando segurança financeira na velhice. A capacidade atual das seguradoras de precificar e oferecer esse produto é notável.
Outra solução para esse problema é a hipoteca reversa, uma bandeira que defendemos há bastante tempo. Em 16 de setembro de 2011, publicamos um artigo no jornal “O Globo” tratando de hipoteca reversa, e desde então temos trabalhado para ver essa ideia se desenvolver no Brasil.
Com a hipoteca reversa, a pessoa pode trocar o valor da casa por uma renda mensal, complementando a aposentadoria. O idoso abre mão de deixar a casa como herança para os descendentes, se houver, mas pode viver uma velhice com mais conforto financeiro. O banco recupera seu investimento quando o idoso morre ou precisa deixar a casa, momento em que o imóvel é transferido ao banco e vendido para recuperar os recursos.
A hipoteca reversa constitui um mecanismo natural para alavancar o consumo dos idosos. Muitas pessoas em idade avançada possuem grande parte de sua riqueza financeira no imóvel em que moram. Para usufruir desse patrimônio, precisariam deixar de viver nele, uma decisão extremamente difícil que geralmente causa grande sofrimento ao idoso.
A combinação da hipoteca reversa e do seguro de sobrevida, podem ser uma boa alternativa para o baixo nível de poupança para a aposentadoria, minimizando um potencial grave problema social.
Esses produtos financeiros combinados podem ser benéficos na preparação para a aposentadoria. Junto à hipoteca reversa — que defendemos há anos — agora temos também o seguro de sobrevida como uma opção viável.
Em suma, vivemos um momento histórico em que a longevidade humana é celebrada como uma grande conquista. Embora envelhecer traga desafios, é fundamental encarar essa fase com otimismo e alegria. Precisamos criar ferramentas e produtos financeiros, além de iniciativas sociais, que nos permitam aproveitar ao máximo essa nova etapa da vida.
Envelhecer pode ser difícil, mas com as estratégias corretas e a mentalidade adequada, podemos transformar esse processo em uma jornada gratificante e cheia de possibilidades!
Jurandir Sell Macedo, CFP
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e diretor da Alento Educação Financeira.
jurasell@gmail.com
Martin Iglesias, CFP
é responsável pela Recomendação de investimentos do Itaú Unibanco, Mestre em Economia pela EESP/FGV , onde leciona nos cursos de pós-graduação.
martin.iglesias@itau-unibanco.com.br