Ponto de Vista

A PONTE QUE CAIU E A EMPRESA QUE FALIU: UMA ANALOGIA SOBRE O PAPEL DOS CONSELHOS NA ERA DA DISRUPÇÃO

Imagine uma ponte imponente, meticulosamente planejada e construída ao longo de anos. Ela serve como um elo vital, conectando comunidades e facilitando o fluxo de pessoas e bens. A ponte é um símbolo de engenhosidade humana, estabilidade e progresso. Ela representa o ideal que os conselhos de administração buscam para suas empresas: gerar valor para os stakeholders e garantir perenidade. No entanto, em um instante, essa imagem de fortaleza se estilhaça. Um navio de carga massivo, lutando contra uma pane elétrica, colide com um de seus pilares, causando um colapso catastrófico. A ponte, outrora um farol de confiabilidade, agora jaz em ruínas, um lembrete contundente da fragilidade mesmo das estruturas mais robustas.

O que aconteceu? Onde estava o erro de cálculo? A resposta é simples: a possibilidade de um navio colidir com a ponte não estava no mapa de riscos. A manutenção era regular, a estrutura era sólida, mas um elemento externo, imprevisível, mudou o curso da história.

Esta analogia da ponte que cai serve como um poderoso paralelo para o mundo corporativo e, mais especificamente, para o papel dos conselhos de administração. Assim como a ponte, as empresas são construídas sobre pilares - estratégias de negócios sólidas, gestão de riscos eficaz, capital humano qualificado e uma cultura corporativa saudável. Elas podem estar estáveis, gerando valor e cumprindo seu papel na sociedade, mas assim como a ponte, são vulneráveis a eventos inesperados que podem minar seus alicerces e levar ao seu declínio. A incapacidade de identificar e mitigar esses riscos potenciais, adaptar-se às mudanças e fomentar a inovação pode ser fatal.

No cenário empresarial atual, os riscos e as oportunidades estão intimamente ligados. As novas tecnologias, como Inteligência Artificial (IA), computação quântica, blockchain e Internet das Coisas (IoT), têm o potencial de transformar indústrias e criar novos mercados. No entanto, elas também podem representar ameaças significativas para as empresas estabelecidas que não conseguem se adaptar. Assim como o navio que colidiu com a ponte, essas novas tecnologias podem surgir repentinamente e causar danos irreparáveis se não forem devidamente consideradas.

O papel dos conselhos na era da disrupção: três pilares fundamentais
Os conselhos de administração desempenham um papel crucial na orientação estratégica das empresas, na mitigação de riscos e na promoção de uma cultura corporativa saudável. No contexto da era da disrupção tecnológica, esses três pilares assumem uma importância ainda maior:

1. Estratégia e Inovação

  • Formulação de Estratégias de Negócios com as Novas Tecnologias: Os conselhos devem trabalhar com a administração para desenvolver estratégias que levem em consideração o impacto das novas tecnologias no setor e no modelo de negócios da empresa. Isso pode incluir a identificação de oportunidades para usar novas tecnologias para melhorar a eficiência operacional, criar novos produtos e serviços ou alcançar novos mercados.
  • Definição de uma Estratégia para Inovação: Os conselhos devem garantir que a empresa tenha uma estratégia clara para a inovação, que inclua a alocação de recursos, o estabelecimento de processos e o estabelecimento de parcerias com universidades, centros de pesquisa e outras empresas. Também é crucial o patrocínio da alta gestão para a inovação e acompanhar o progresso da empresa em sua jornada de inovação.

2. Gestão de Riscos

  • Identificar Riscos Emergentes: Os conselhos devem ir além dos riscos tradicionais e considerar as ameaças e oportunidades representadas pelas novas tecnologias, bem como outros riscos emergentes, como mudanças regulatórias, eventos geopolíticos e desastres naturais.
  • Avaliar o Impacto Potencial: Uma vez que os riscos sejam identificados, é crucial avaliar seu potencial impacto nos negócios. Isso envolve considerar a probabilidade de ocorrência, a gravidade de suas consequências e o potencial de retorno.
  • Desenvolver Estratégias de Mitigação: Os conselhos devem trabalhar com a administração para desenvolver estratégias para mitigar os riscos identificados. Isso pode incluir a diversificação de produtos e serviços, investimento em segurança cibernética, o estabelecimento de planos de contingência para eventos disruptivos ou a transferência de riscos por meio de seguros.
  • Monitoramento Contínuo: A gestão de riscos é um processo contínuo. Os conselhos devem monitorar regularmente o cenário de risco e ajustar suas estratégias conforme necessário.

3. Pessoas e Cultura

  • Implantação de uma Cultura de Inovação: Os conselhos devem trabalhar com a administração para criar uma cultura que valorize a inovação, a experimentação e a tomada de riscos. Isso pode incluir o estabelecimento de programas de incentivo à inovação, a criação de espaços de trabalho colaborativos e a promoção de uma comunicação aberta e transparente.
  • Cultura de Segurança da Informação: Com o aumento da dependência de tecnologia, a segurança da informação se torna uma preocupação crítica. Os conselhos devem garantir que a empresa tenha políticas e procedimentos adequados para proteger seus dados e sistemas contra ataques cibernéticos.
  • Desenvolvimento de Talentos: Os conselhos devem garantir que a empresa tenha os talentos necessários para inovar e competir na era digital. Isso pode incluir o investimento em treinamento e desenvolvimento de funcionários, bem como a contratação de profissionais com habilidades em novas tecnologias.

A lição da Blackberry
O filme "Blackberry" conta a fascinante história da ascensão e queda da empresa canadense que nasceu como um empreendimento de garagem e rapidamente se tornou líder do mercado de telefonia móvel. A Blackberry revolucionou a comunicação empresarial ao introduzir uma tecnologia disruptiva: o smartphone com teclado físico, que transformou o celular de um simples aparelho de voz em uma ferramenta essencial para os executivos, permitindo acesso a e-mails e dados em qualquer lugar. No entanto, a Blackberry acabou sendo vítima da mesma força disruptiva que a impulsionou ao topo. A empresa falhou em acompanhar a evolução tecnológica e a mudança nas preferências dos consumidores, sendo superada pela chegada do iPhone da Apple e sua interface touchscreen intuitiva, aplicativos diversificados e foco na experiência do usuário. A história da Blackberry serve como um lembrete constante da necessidade de vigilância constante, adaptabilidade e inovação contínua para sobreviver em um mercado dinâmico e implacável.

Conclusão
A era da disrupção tecnológica apresenta desafios e oportunidades para as empresas. Os conselhos de administração desempenham um papel fundamental na orientação estratégica das empresas, na mitigação de riscos e na promoção de uma cultura que incentive a inovação e a segurança da informação. Ao abraçar esses três pilares, os conselhos podem ajudar suas empresas a navegar pelas águas turbulentas da disrupção, evitar o destino da Blackberry e construir pontes para o sucesso futuro.


Ricardo Castro
é Board Member, Business & Tech Executive, Senior Advisor. Experiência como administrador em empresas de diversos setores. Formado em engenharia pela UFRJ, mestrado em Tecnologia da Informação pela PUC-Rio e com MBAs executivos na Columbia, FDC, Kellog, Insead, StarSe/NovaLisboa. Conselheiro certificado pelo IBGC.
ricardo.gcastro@icloud.com


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