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A Inteligência Artificial está deixando de ser um apoio tático para se tornar o cérebro estratégico das organizações. Com ERPs (softwares de gestão empresarial) cada vez mais autônomos, as empresas entram em uma nova era de gestão, onde algoritmos decidem com mais velocidade e precisão que os humanos. Diante disso, líderes precisam se reinventar e focar no que as máquinas ainda não alcançam: criatividade, propósito, ética e gestão humana.
Durante décadas, o papel dos gestores foi se equilibrar entre o controle de processos, a análise de indicadores e a tomada de decisões baseadas em experiência e intuição. No entanto, esse modelo começa a ruir diante da ascensão da Inteligência Artificial. Estamos entrando em uma nova era: a era da gestão cognitiva, onde sistemas inteligentes, integrados a plataformas ERP de última geração, são capazes de absorver volumes massivos de dados, interpretar cenários complexos e tomar decisões com mais agilidade e assertividade do que qualquer ser humano.
Essa transformação não é futurista – ela já está em curso. Segundo estudos da McKinsey, empresas que adotam IA de forma estratégica podem aumentar a eficiência em até 40% e a produtividade em mais de 70%. A Gartner prevê que, até 2026, 80% das organizações terão adotado soluções de IA em seus negócios. Os ERPs, que antes eram meros organizadores de dados, agora se posicionam como hubs decisórios, sugerindo, corrigindo e até executando ações sem intervenção humana.
Diante desse cenário, surgem novos questionamentos: qual será o papel do gestor nesse novo mundo? O que restará para os humanos? E mais importante: como garantir que as decisões automatizadas estejam alinhadas com os valores, a cultura e os princípios éticos das organizações?
O Cérebro Digital das Empresas
Durante muito tempo, os ERPs foram vistos como meros registradores de dados: sistemas que organizavam informações, integravam departamentos e geravam relatórios para que os gestores pudessem tomar decisões. Esse modelo, embora eficiente para seu tempo, dependia integralmente da análise humana – e, portanto, estava sujeito a vieses, limitações cognitivas, atrasos e interpretações imprecisas.
Com o avanço da Inteligência Artificial, esse paradigma começou a se inverter. Estamos presenciando o nascimento dos ERPs Cognitivos, plataformas que não apenas armazenam dados, mas pensam, aprendem, antecipam e agem. De sistemas operacionais, passarão a ser verdadeiros cérebros digitais corporativos, capazes de tomar decisões complexas em tempo real com base em dados internos, externos e contextuais.
Esses ERPs se alimentam de múltiplas fontes: sensores IoT, interações com clientes, comportamento dos colaboradores, dados financeiros, variações climáticas, flutuações de mercado, entre outros. A partir disso, a IA embarcada identifica padrões, calcula probabilidades e propõe – ou executa – ações com foco em eficiência, prevenção de riscos e geração de valor.
Na prática, isso significa que já não será mais necessário esperar uma reunião de comitê para agir diante de um risco de ruptura na cadeia de suprimentos ou de inadimplência de clientes estratégicos. O próprio sistema pode prever a crise antes que ela aconteça, emitir alertas, renegociar prazos com fornecedores, reequilibrar estoques e até ajustar projeções financeiras.
Essas mudanças não são especulativas. A McKinsey aponta que o uso de IA na gestão pode adicionar até US$ 4,4 trilhões por ano ao PIB global, com impacto direto na forma como as empresas operam, decidem e se posicionam. Mais do que automatizar tarefas, a IA está automatizando decisões – e isso muda tudo.
O gestor, que antes precisava analisar gráficos e montar estratégias manualmente, agora é convidado a ocupar uma nova posição: a de curador da inteligência organizacional. Seu papel será validar as decisões tomadas pela IA, garantir que estejam alinhadas com os valores da empresa e, acima de tudo, atuar onde os algoritmos ainda não alcançam – nas zonas da criatividade, da empatia, da liderança e do propósito.
Tomada de Decisão: Mais Dados, Menos Intuição
A intuição sempre teve seu lugar na gestão - e continuará tendo. Porém, num mundo onde a velocidade da informação e a complexidade dos mercados ultrapassam a capacidade humana de análise, confiar apenas no “feeling” pode ser um risco estratégico. A era da gestão cognitiva inverte essa lógica: as decisões mais eficazes deixam de ser “arte” para se tornarem ciência orientada por dados.
É nesse ponto que entra o conceito de Inteligência Aumentada, termo amplamente difundido pelo Gartner. Ao contrário da ideia de que a IA substituirá o ser humano, a inteligência aumentada propõe uma abordagem centrada na colaboração entre pessoas e máquinas, em que o ser humano continua no centro da decisão, mas com sua capacidade cognitiva amplificada pelo poder analítico da IA.
Segundo a definição da Gartner: “Augmented Intelligence é um modelo centrado no ser humano, em que pessoas e a inteligência artificial trabalham juntas para aprimorar o desempenho cognitivo — incluindo aprendizado, tomada de decisão e criação de novas experiências.”
Na prática, isso significa que sistemas inteligentes não vêm para eliminar o papel do líder, mas para permitir que ele decida melhor, mais rápido e com mais confiança. Ao receber recomendações baseadas em grandes volumes de dados estruturados e não estruturados — vindos de clientes, mercado, sensores, redes sociais ou dados internos — o gestor tem à sua disposição um nível de profundidade analítica que seria impossível alcançar sozinho.
Imagine, por exemplo, um ERP que cruza automaticamente o comportamento de compra dos consumidores, oscilação de mercado e níveis de estoque para sugerir promoções com margens otimizadas. Ou ainda, no RH, um sistema que detecta sinais sutis de esgotamento em um colaborador e recomenda ações preventivas antes que isso se transforme em perda de produtividade ou desligamento.
Esse tipo de atuação já é possível e, em muitos casos, decisões operacionais já são tomadas automaticamente por sistemas baseados em IA. No entanto, o papel do líder permanece crucial — não mais para decidir cada detalhe tático, mas para validar, interpretar e alinhar essas decisões ao contexto estratégico e aos valores da empresa.
Mais do que nunca, os líderes precisarão desenvolver uma nova competência: a de co-decisores com algoritmos. A confiança cega na tecnologia é tão perigosa quanto a rejeição dela. É preciso saber quando seguir a recomendação da IA, quando questioná-la — e quando escolher outro caminho.
A tomada de decisão no futuro não será menos humana - será mais informada, mais estratégica e mais consciente. E é esse o papel da liderança aumentada: combinar a precisão da máquina com a sabedoria da experiência e os princípios da ética.
Governança de Sistemas Inteligentes: Ética e Transparência
À medida que os sistemas cognitivos passam a tomar decisões em nome das empresas, uma nova camada de complexidade entra em cena: a ética algorítmica. Se um ERP pode decidir quem será promovido, quais fornecedores perderão prioridade ou quando um colaborador deve ser redirecionado, quem responde por essas decisões? E mais: como garantir que essas decisões estejam livres de preconceitos, sejam transparentes e estejam alinhadas aos valores da organização?
Esse não é um tema teórico. Já há casos concretos de sistemas de IA que, ao aprenderem com dados históricos enviesados, perpetuaram discriminações de gênero, raça e até localidade. Quando uma empresa permite que uma IA sugira promoções ou desligamentos com base em dados comportamentais, sem uma estrutura de governança clara, corre o risco de cometer injustiças sistêmicas – e, mais grave, de nem perceber isso.
Segundo a PwC, 62% das empresas ainda não possuem um modelo estruturado de governança para a IA. A maioria adota a tecnologia como uma inovação operacional, sem o devido cuidado com os impactos culturais, éticos e regulatórios. Isso abre uma lacuna perigosa: a da automatização sem supervisão.
Governança, nesse novo contexto, passa a incluir auditoria algorítmica, comitês multidisciplinares de ética digital e políticas claras sobre o papel dos sistemas de IA nas decisões corporativas. O conselho de administração assume protagonismo nessa agenda: é ele quem deve garantir que os algoritmos estejam alinhados com os princípios da organização, que haja transparência nos processos decisórios e que os impactos sobre pessoas e stakeholders sejam continuamente monitorados.
Essa governança também deve ser proativa. Em vez de reagir a erros do sistema, as empresas precisam adotar modelos de prevenção, com testes de viés, simulações éticas e validação humana das decisões críticas. A tecnologia é poderosa, mas não pode operar sem supervisão consciente.
A IA é capaz de analisar tudo - menos o que é certo ou errado. Essa resposta ainda pertence a nós, humanos. E cabe às lideranças garantirem que, por trás de cada decisão automatizada, haja um compromisso inegociável com a ética e com o bem comum.
A Revolução Humana: O que a IA Não Substitui
Em um ambiente empresarial dominado por dados, automação e decisões em tempo real, pode parecer que o papel dos humanos está se esvaziando. Mas é justamente o contrário. Quanto mais avançada se torna a inteligência artificial, mais evidente se torna a importância da inteligência humana.
A IA já consegue executar com perfeição tarefas operacionais, identificar padrões complexos, prever cenários e até simular linguagem natural. Mas ela ainda não é capaz de criar algo verdadeiramente novo, de resolver conflitos humanos com empatia, de inspirar um time a se superar ou de tomar decisões com base em valores.
Esse é o novo território do gestor: ser humano em sua máxima potência. A criatividade, a intuição estratégica, a liderança inspiradora, a sensibilidade cultural e a capacidade de gerar conexões significativas são atributos exclusivamente humanos – e se tornam ainda mais valiosos numa empresa onde tudo o mais já foi automatizado.
Mais do que nunca, as organizações precisam de líderes que saibam interpretar o contexto além dos dados, que enxerguem o invisível nos indicadores e que consigam criar pontes entre tecnologia e propósito. A gestão do futuro é híbrida: algoritmos tomam decisões táticas, humanos conduzem decisões morais, criam narrativas, direcionam cultura e mantêm vivo o senso de propósito organizacional.
Nesse sentido, o RH ganha um novo protagonismo. Ele deixa de ser apenas o guardião dos processos de pessoas para se tornar o curador da cultura empresarial, responsável por desenvolver talentos humanos com habilidades que a IA jamais replicará. Empatia, pensamento crítico, capacidade de colaboração, adaptabilidade e comunicação passam a ser competências estratégicas.
E é nesse ponto que se revela o verdadeiro impacto dos ERPs cognitivos: ao assumir as tarefas técnicas e operacionais, eles liberam os gestores para pensar no que realmente importa – pessoas, cultura, inovação, sustentabilidade e impacto social. Essa é a revolução silenciosa que está acontecendo: enquanto a IA assume o controle das máquinas, os humanos precisam assumir o comando do que nos torna únicos.
Instruções Práticas: Como os Líderes Devem se Preparar para a Era da IA
A inteligência artificial já está tomando decisões. O que ainda não está claro é como os líderes humanos vão se posicionar diante dessa nova dinâmica. Os que permanecerem presos ao modelo tradicional de controle e análise correm o risco de se tornarem irrelevantes. Por outro lado, os que compreenderem seu novo papel — o de potencializadores da inteligência coletiva e curadores do propósito — estarão prontos para liderar na era cognitiva.
Abaixo, cito os principais pontos de atenção e ação para os líderes que desejam prosperar nesse novo cenário:
A liderança do futuro será medida não pelo controle que exerce, mas pela inteligência com que combina tecnologia, dados, segurança, propósito e humanidade. O ERP pensa, calcula e decide. Mas ainda são os líderes que inspiram, protegem e transformam.
O Futuro da Gestão é Humano - e Intransferível
Estamos diante de uma inflexão histórica na forma como as empresas são geridas. Pela primeira vez, é possível delegar à tecnologia não apenas tarefas operacionais, mas decisões complexas, com base em dados que nenhum ser humano conseguiria processar sozinho. Os ERPs cognitivos são, de fato, o novo cérebro digital das organizações — conectando todas as áreas, processando tudo em tempo real e sugerindo ações com altíssimo grau de acerto.
Mas essa transformação traz consigo uma nova responsabilidade: a de resgatar e redefinir o papel humano na liderança. Se os algoritmos cuidam da lógica, cabe aos líderes cuidarem do sentido. Se a IA detecta padrões, são os humanos que percebem propósitos. A verdadeira vantagem competitiva das empresas não estará mais em quem processa mais dados, mas em quem faz melhores perguntas, em quem cria, inspira, conecta e transforma.
A liderança que se perpetuará será aquela que compreender que a gestão do futuro exige menos controle e mais consciência; menos comando e mais presença; menos centralização e mais curadoria. Estamos entrando em uma era onde ética, sensibilidade, empatia, visão sistêmica e coragem de questionar a própria tecnologia serão competências inegociáveis.
É nesse contexto que surge um convite inadiável: repensar seu papel como líder. Você está usando a tecnologia apenas para fazer mais do mesmo, ou está criando espaço para uma nova forma de pensar a empresa? Está delegando à IA o que ela faz melhor, mas assumindo com seriedade o que ela nunca poderá fazer: cultivar cultura, alinhar decisões a valores, proteger pessoas e direcionar energia para o bem comum?
O futuro da gestão será inevitavelmente moldado pela inteligência artificial — mas será determinado pela inteligência emocional, ética e espiritual dos líderes. E isso não se automatiza. Não se terceiriza. Não se transfere.
Por isso, este não é apenas um tempo de adoção tecnológica. É um tempo de renascimento da liderança humana. Um chamado para deixar de ser gestor de processos e tornar-se guardião de valores, catalisador de potencial humano e visionário do impacto positivo que sua empresa pode gerar no mundo.
A tecnologia vai acelerar tudo. Mas cabe a nós decidirmos para onde estamos indo!
Marcelo Murilo
é Co-Fundador e VP de Inovação e Tecnologia do Grupo Benner, Palestrante, Mentor, Conselheiro, Embaixador e membro do Senior Advisory Board do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Embaixador e Membro da Comissão ESG da Board Academy BR e Especialista do Gerson Lehrman Group e da Coleman Research – Fala sobre Inovação, Governança e ESG.
marcelo.murilo@benner.com.br