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No dia 25 de fevereiro deste ano, a prestigiosa revista The Economist publicou uma matéria intitulada “Como ficar rico em 2025”, onde sugere, que carreiras já não são o fator principal para o acúmulo de riqueza, e que atualmente o que realmente importa é a herança. Embora seja uma afirmação provocativa, os dados apresentados comprovam que o fluxo anual de heranças, expresso como percentual do Produto Interno Bruto (PIB), já ultrapassa 15% em economias desenvolvidas, chegando a atingir 20% em certos países. Esses valores são comparáveis ao início do século XX, período em que heranças desempenhavam um papel crucial na economia, antes de reduzirem significativamente, para cerca de 5%, durante o pós-guerra.
Com o término da Segunda Guerra Mundial, o mundo testemunhou uma fase histórica única de crescimento populacional e econômico. Em 1950, a população global era estimada em cerca de 2,5 bilhões de pessoas. Atualmente, a população mundial supera 8 bilhões de indivíduos, representando um crescimento impressionante de aproximadamente 220%. No Brasil, o aumento populacional foi ainda mais expressivo, passando de 54 milhões de habitantes em 1950 para os atuais 213 milhões, o que equivale a um aumento de 294%.
Em paralelo ao crescimento populacional, ocorreu uma expansão econômica sem precedentes. O PIB mundial, estimado em valores atuais em cerca de US$ 25 trilhões em 1950, alcançou aproximadamente US$ 140 trilhões atualmente, representando um aumento real de cerca de 1.076%. O Brasil seguiu uma trajetória semelhante, passando de um PIB estimado em US$ 197 bilhões para cerca de US$ 2,174 trilhões, o que equivale a um aumento de aproximadamente 1.000%. Vale ressaltar que as estatísticas econômicas do início da segunda metade do século passado não possuíam o nível de precisão atual, sendo importante considerar esse fator nas análises históricas.
Essa conjuntura favorável beneficiou especialmente as gerações conhecidas como “Silents” (nascidos entre 1928 e 1945) e “Baby Boomers” (nascidos entre 1946 e 1964), que vivenciaram uma era marcada por grandes oportunidades econômicas. A expansão demográfica favoreceu os investimentos em imóveis, que apresentaram retornos excepcionais ao longo de décadas. Muitos indivíduos dessas gerações acumularam fortunas expressivas, especialmente por meio de patrimônio imobiliário, investimentos em empresas e aplicações financeiras diversas.
Contudo, à medida que essas gerações envelhecem, um fenômeno conhecido como “Grande Transferência de Riqueza” começa a se intensificar. Segundo estudo do banco suíço UBS, estima-se que até 2030 serão transferidos cerca de US$ 15 trilhões em heranças. Essa cifra deve atingir aproximadamente US$ 68 trilhões até 2040. No Brasil, ainda que não existam estatísticas precisas, as projeções apontam que cerca de R$ 1 trilhão será herdado nos próximos 10 anos, considerando o envelhecimento da população e o percentual significativo da riqueza detida por pessoas acima dos 60 anos.
De acordo com dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), cerca de 70% da riqueza das famílias brasileiras é composta por patrimônio imobiliário, o que reforça a expectativa de que imóveis serão o principal ativo transferido em herança. Apesar disso, a desigualdade econômica no Brasil sugere que a maior parte dessas heranças beneficiará um grupo restrito de indivíduos. Dados recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstram que apenas 10% das famílias brasileiras detêm mais de 70% da riqueza nacional, refletindo a alta concentração patrimonial existente no país.
Além disso, estudos destacam uma tendência de aumento dessa concentração devido à prevalência de casamentos entre indivíduos pertencentes às classes sociais mais elevadas. Etienne Pasteau, ex-professor da Escola de Economia de Paris, e Junyi Zhu, economista do Bundesbank, destacam que a herança exerce um impacto cerca de duas vezes e meia maior do que a renda obtida por trabalho nas decisões matrimoniais. Este fenômeno potencializa ainda mais a concentração da riqueza, agravando a desigualdade social e econômica.
Uma iniciativa significativa que busca mitigar esse fenômeno é o movimento filantrópico “Giving Pledge”, criado em 2010 por Warren Buffett e Bill e Melinda Gates. O movimento convida bilionários ao redor do mundo a comprometerem-se publicamente a doar mais de 50% de suas fortunas para causas sociais, tanto durante a vida quanto através de testamentos. O objetivo é estimular a responsabilidade social entre as elites econômicas, buscando resolver problemas globais como pobreza, saúde e educação. No Brasil, entretanto, a adesão ao movimento ainda é extremamente baixa, refletindo uma cultura menos engajada com iniciativas filantrópicas dessa magnitude.
A herança é, uma poderosa ferramenta econômica e social quando bem utilizada, possibilitando a continuidade e expansão de empresas familiares, financiando novos empreendimentos e investimentos estratégicos que promovem o crescimento individual e coletivo. Além disso, a transmissão igualitária entre homens e mulheres pode fomentar maior poder econômico feminino, contribuindo para reduzir desigualdades históricas.
Por outro lado, quando mal administrada, a transferência patrimonial pode incentivar a acomodação dos herdeiros, minando a motivação para o trabalho e o desenvolvimento pessoal. Ainda mais preocupantes são as disputas familiares em torno dos bens herdados, criando ressentimentos profundos e rivalidades que destroem relações e dilapidam fortunas construídas com tanto esforço.
Diante desse cenário, é indispensável um planejamento sucessório cuidadoso, indo além da transferência material, incluindo a preparação emocional, educacional e ética dos herdeiros — com especial atenção às mulheres, que, apesar de herdarem valores semelhantes aos homens, muitas vezes recebem menos preparo para gerir o patrimônio familiar. Quem dedicou a vida à construção da riqueza tem a responsabilidade de assegurar uma sucessão tranquila e inclusiva.
A transferência de riqueza é inevitável, mas quando planejada com antecedência, pode fortalecer laços familiares, estimular o crescimento das próximas gerações e garantir a continuidade sustentável do patrimônio acumulado com tanto esforço.
Jurandir Sell Macedo, CFP
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e diretor da Alento Educação Financeira.
jurasell@gmail.com